Transcrição do Tomo das Eras, XLVII


Em sua primeira vinda
Ganhou os ares como luz
A palavra proferida
O trouxe para um brando e gélido lago
Em meio a um bosque de chão vermelho
De pétalas e raízes perfumadas.

Seu reflexo pálido
Cresceu com poder
Inpronunciável.

Uma criança de olhos cheios, então
Atirou pequena pedra ao lago

O segundo Sharini fez-se em mil
E estes mil fizeram-se em outros mil.
(...)

Leitura: Idos de Nova Faris, Parte 2

Houve algo que não mudou ao longo das Guerras de Iblis e nos conflitos de Ivoire contra Oden em solo farisiense, e que não mudou apesar da mortalização do Belvedere e da ameaça constante dos cálciferes vagando entre os ventos. Sessenta anos de chamas não tiraram os adeptos de Fantasos da sua eterna romaria de lado a lado dos cânions arenosos que circundam Belvedere. Talvez ninguém tenha sequer sabido que eles estavam lá.

O soterramento de 698 D.F. em Calcedona atingiu parte dos cânions, mas foi confirmado pelos astrônomos de Axúria que a área sob o gigante branco continua erguida. A Torre Secreta fora preservada.

Os ritos de madrugada mantidos há mais de dois séculos pelos jovens artistas e pelos adeptos vagabundos de Fantasos - eles preferem ser chamados assim - envolvem a captura mística de um sonho vagante, da demarcação de um lugar com tochas de chamas púrpuras à álcool, da guarda dos dervixes e, finalmente, nas primeiras horas dos lumes da manhã, da encenação do sonho, envolvendo poderes de ilusão e de vôo.

Épocas luminosas geraram sonhadores poderosos, que eram buscados pelos adeptos para juntar-se à Torre Secreta.

As trupes vagabundas de Fantasos puderam ajudar decisivamente as caravanas que passavam pelo Belvedere, erguendo uma cidadela temporária com barracas coloridas e um grande monumento levado sobre uma besta de carga. Este carnaval móvel foi chamado 'A Sublime', e pode-se dizer que os adeptos salvaram muitas vidas da perdição completa desta maneira.

Se depender do povo, é provável que, assim que houver uma tentativa formal e efetiva de reorganizar e centralizar novamente o governo de Faris, haja uma parte que caiba aos adeptos-redentores de Fantasos. Mas acredito que, dificilmente, as mesmas pessoas que viajam por entre sonhos possam tocar em vão dinheiro e papéis.

Que assim seja, para sempre.

Leitura: Idos de Nova Faris

No fogo cruzado entre Odenheim e Ivoire pelos últimos trinta anos, o movimento separatista farisiense conseguiu finalmente limpar as falanges ivoreanas da costa leste original do país. Hoje em dia, Faris tem dois terços do seu território original, tendo perdido limites à oeste para Ivoire e algumas poucas centenas de quilômetros a sul para Cédara enquanto colônia. Para os nativos, é quase como um milagre depois de anos de sofrimento sob a bandeira dos pardos.

A 'Nova' Faris hoje encontra-se arrasada pela guerra, mas o povo respira outros ares. Grandes caravanas peregrinam o solo do enorme país em busca de um lugar para erguer novas cidades, lideradas por jovens aventureiros e crianças da noite. As duas Belgrades já deram bons passos em seu caminho para voltarem a ser o que eram e Glenária quase não mudou. Bácari, Trói e Calcedona jazem abandonadas, tendo o Belvedere se tornado um inferno com três falhas mortais na redoma, ciclones e tempestades que duram meses, maquinária cedariana de restauração e verdadeiros exércitos de conjurações e cálciferes enlouquecidos. Sobretudo, o país está destruído e precisa ser refeito de um ponto que nunca foi visto, o ponto da desolação.

De onde estou, em Belgrade do Norte, eu vejo que a próxima cheia dos rios trará novas esperanças às pessoas. Por enquanto, uns poucos abastados como eu conseguem um mínimo de conforto, mas a maioria das pessoas está tendo que trabalhar duro, uma realidade que o povo farisiense nunca conheceu mas com a qual está lidando muito bem.

Orgulho-me de estar onde estou.

Não posso terminar sem mencionar, com algum protesto, a nobilíssima Aristocracia de Gartcross, uma das maiores tentativas de civilizar o coração decadente de Faris. Fundada por dervixes liderados por Fedra, a Mística, o pequeno condado durou pouco mais de dez anos, sem apoio nem respaldo das generosas regentes de Odenheim e de Rublo. É uma irmã do nosso povo lá, tentando reerguer a bandeira de um aliado nobremente e literalmente levantar um castelo no meio do deserto. O que fizemos? Nada.

Leitura: A História de Marquês Kachaturian

Kachaturian hoje pode estar próximo dos seus 80 anos, se estiver vivo. Não o vejo desde os dias do casamento de Ifalna e Dário. Faz bem em não dar as caras, porque acredito que Else tenha herdado a rinha que Dário Meredith tinha do marquês e de toda a sua espécie. Eram inimigos mortais na época do Conselho do Palácio Oceânico, enquanto Dário ainda era um aspirante a conspirador e Kachaturian ainda andava queimado do sol de Faris, de seu exílio.

O Marquês Cavaleiro está vivendo a época mais ferrenha da história de Odenheim. Viu, de seus próprios olhos e não ouvindo falar, levantarem-se e caírem quatro reis e imperadores; um deles, Kachaturian tombou com sua própria espada.

Particularmente o considero um símbolo de nobreza e heroísmo odenianos da velha guarda, enquanto todos pensam que todos os herdeiros da tradição dos Elmos Escarlates não prestam. Ele aceitou seu destino, apoiou Ifalna até onde pôde, aceitou seu exílio e voltou quando o povo mais precisava, não temendo o futuro quando invadiu em insurreição o Palácio Oceânico para destronar Soren, armado da sua fé e acompanhado de estrangeiros que estavam arriscando-se e morrendo ali por lealdade e amizade ao ex-Dragão.

Kachaturian ainda andou ao lado da Décima Quinta, pelejou até Ivoire para caçar o Investigador Real traidor Mikalis Musa e socou mais de uma vez a mesa em defesa da acuada e assustadiça Ifalna Palas. Suportou o rancor de Dário e teve a dignidade de aceitar todas as suas derrotas.

Por momentos, quando olho para o céu pouco antes do entardecer, quando uma cor vermelha toma um gole do horizonte, tenho certeza que seu espírito fulgurante está vivo em algum lugar, preparando um retorno triunfante antes que tenha que abandonar este mundo. Espero que sim. Quando olho para os rostos dos mais jovens militares, hoje com dezesseis, dezessete anos, vejo que, mais do que nunca, os velhos heróis são necessários para fazerem crescer os novos heróis à sua sombra.

Artigo: O Espírito-Sol

Fico triste em saber que muitas pessoas não sabem a resposta quando uma criança aponta o espírito-sol com o dedo e pergunta que poder é aquele que brilha por todos e traz a luz. Algumas pessoas sabem que chama-se Nila. Outras sabem da lenda.

Definitivamente aquela bola de fogo que emerge do éter e carrega a claridade é um avantesma. Um avantesma com um grau de poder único, sentido por todos como portador de coragem, esperança e resolução. Resta um corpore de terra para orar por ele e chamá-lo.

Então teremos o culto mais injustiçado e esquecido do mundo. Um culto que, reza a lenda, é de um único homem santo que suporta o mundo sobre os ombros invocando Nila pela manhã e comandando-a em sua passagem triunfal pelos céus, até que ele decide que irá repousar, e manda todos no mundo para a noite.

Maeve é criança, mas é sábia.