Artigo: A Permissão para Amar

Muitos adeptos são celibatários por escolha, negando o amor para não deixarem-se ocupar de sentimentos terrenos, mas nos dogmas da maioria dos altíssimos, não existe qualquer afirmação contra o romance. Entretanto, a segunda máxima deífica de Maeve, onde lê-se "Leva os teus para as terras do sol, e volta", pede a separação do adepto daqueles que ama. Faz sentido. Eu acredito que o amor desvia o homem. E se o homem acredita ter um propósito (como todos os adeptos de fé devem acreditar), ele não deve deixar-se guiar pelo amor. Enquanto pode ser uma motivação para voltar para casa vivo, para manter-se, para lutar, é uma vida onde deve-se dedicar a uma coisa a mais.

Por outro lado, a maioria dos adeptos estudiosos que mergulham fundo nos mistérios de um altíssimo costumam-se casar, normalmente com outros membros do clero. O casamento entre dois adeptos apaixonados perante Maeve é uma cerimônia que normalmente é aberta apenas para o sacerdócio.

Vale falar do casamento neste momento. Não era o assunto inicial, mas que valha. Os costumes quanto a isso variam de lugar para lugar, então comecemos com minha pátria. Odenheim.

Em Odenheim o homem faz um cortejo público à mulher quando ele quer desposá-la. Como a maioria dos namoros é feita discretamente, os casais combinam a melhor maneira do homem revelar às pessoas sua disposição em casar com a mulher; muitas vezes, a moça escreve cada palavra do homem. Os bons cortejos viram histórias para muitos anos, e o povo odeniano percebe rápido quando é natural e quando é fingido. Depois do cortejo, assim que espalham-se os rumores sobre o novo casal, este marca a data do casamento e a anuncia. A maioria dos casais viajam para Veruna, Lodis, Vercel ou Gradec para a cerimônia, que sempre envolve uma longa caminhada sob flores atiradas pelos convidados. Em Rublo é bem parecido.

Em Cédara as porcarias dos casais são escolhidos pelos pais das pessoas. Muitas vezes os pais das meninas são muito atenciosos quanto às seus gostos e escolhem favorecendo suas filhas (se o rapaz tiver mínimas condições). Por outro lado, os divórcios são a coisa mais corriqueira do mundo em Cédara. Existe uma quantidade descomunal de pais e mães solteiras na República. As mulheres cedarianas tradicionalmente valorizam posses e realizações. Homens bem-sucedidos e honrados são tidos como ótimos partidos. A última tendência da burguesia cedariana é que as meninas escolham seus namorados independente da posição social desse, o que não é considerado muito virtuoso. A sociedade acredita que as meninas que escolhem esposos sem bons negócios e sem bons antecedentes não se preocupam com sua família, seus pais e seu futuro.

Faris tem uma tradição muito romântica para os casamentos. Nas festas de quinze anos das meninas (que geralmente são grandes celebrações), os rapazes lhes oferecem presentes e prendas. A garota, então, escolhe um deles para levar, em peregrinação noturna em honra à Deusa e aos Altíssimos, uma guirlanda a uma pequena capelinha construída fora dos limites da cidade. É esperado que o casal então namore sem preocupações e venha a casar quando a menina ficar grávida, algumas décadas mais tarde. Acredita-se que divórcios prenunciam tristeza eterna e que as pessoas devem acreditar na escolha da guirlanda.

Em Longinus não se casa! Os citadinos arrumam-se com suas próprias tradições locais, mas a maioria das pessoas está acostumada a atrações intempestivas, casos passageiros e, de resto, a uma vida solitária. A única desculpa para que uma pessoa aceite que teve um romance é admitir para si mesma que o desejo carnal sobrepujou a mente. Quase todas as mães criam seus filhos sozinhas. Pessoas que preferem viver juntas devem abandonar as cidades e estabelecerem-se em algum outro lugar, para não ofender o decoro. É possível que os adeptos tenham que fazer alguma coisa a respeito, porque lentamente a população de Longinus vem caindo.

No país dos pardos, Ivoire, a maioria dos casamentos é feito dentro das próprias famílias, normalmente com primos distantes, de segundo ou terceiro grau. Geração após geração, ancestrais não se misturam e as famílias cujos membros tinham um tipo de feição há duzentos anos ainda conservam os mesmos traços hoje em dia. A beleza física é muito prezada para casar; a maioria das famílias vive junta em grandes casas que vivem sendo ampliadas.

O amor... desvia o homem. Tenho que pensar mais nisso.

Transcrição do Tomo das Eras, LVIII

Virá em conclusão o crepúsculo
Da entrada do poder maldito
E junto com o fim da armurada
Acertarão os oceanos contra tudo
Contra tudo, contra tudo
Pois serão
Sete oceanos de luz
E sete raios de poder
Antes que venha a nós todos
Alatus.

Leitura: Uma História de Pluma Isabelle

Essa é a primeira parte de três capítulos escritos por um auramante que contam de aventuras de Pluma Isabelle antes que ela voltasse à Lodis. Se eu puder encontrar os outros capítulos, transcreverei-os para cá.

"Nossa improvável reunião fora feita com precisão histórica naquela noite de Belvedere. Muitos anos antes de que qualquer coisa terrível tivesse acontecido, as idéias eram mais difusas e impressionistas, e até os poetas mais trágicos não nos convenciam tanto. Espiritualmente aceitávamos toda felicidade de maneira natural, fluída. Pluma, de gatinhas, tentava entender algo estranho num papel, e Hani Leão-Vermelho repetia a passagem com vários sotaques, rindo de si próprio. Todos levemente tristonhos porque as duas garrafas de vinho que se permitiam toda noite tinham se acabado prematuramente.

Amaterasu, a dragoa, me parecia uma estátua de bronze. O nome guerreiro fazia lhe faltar mais uns dois braços, mas a velocidade dos outros a servia bem. Naquele tempo, era jovem, violenta e seus reflexos ainda não tinham manchas de dor. Eu me lembro do brilho nos seus cabelos e no seu olhar, e me lembro da sua voz potente nos guiando sempre em frente. Quantas vezes não me carregaram aqueles braços que não vestiam braceletes ou adornos de mulher, e quantas vezes não me surpreendi perdido no seu vigor sempre pronto e contundente.

E Kainen, ninguém costumava perdoar sua sorte, pois as estrelas pareciam ter lhe tecido um manto indestrutível. Os tiros e flechas pareciam resvalar na sua pele, e também naquela cota de malha tão velha que ele usava. Já lhe vimos ferido algumas vezes, e de coisas tão singelas quanto espinhos de rosas. Mas em batalha era um leão, muito mais do que Hani que carregava a fera no nome. Lemminkainen o Imortal, era como costumávamos chamá-lo, e ele fingia estar aborrecido quando regojizava-se com os elogios, por dentro e tão secreto quanto um balde de tinta.

Pluma lutava tão mal naquela época que chegamos a pensar, mais de uma vez e por sua própria segurança, que devíamos lhe assegurar uma posição na retaguarda com uma escopeta ou umas flechas, mas a teimosia da garota sempre nos vencia. Hoje imagino que ela consiga derrubar vinte serretes a caneladas, mas naquela época era menina demais. Devia ter não mais do que dezessete anos, mas ela sempre nos mentia a idade.

“Vinte e dois! E eu já tinha dito isso pra vocês” – emburrou, recuando defensivamente. Levantou, deu duas voltas em torno da roda, e sentou de pernas cruzadas no chão.

“Com o teu perdão, Pluma, você disse vinte e um no mês passado, e se não acredita, olha aqui, eu anotei no meu diário” – disse uma vez Lucas, o auramante, a deixando corada.

Pluma xingou um ou dois palavrões e abraçou os joelhos. “Eu não tenho culpa, eu fui raptada, não me lembro o dia do meu aniversário, mas aquele senhor tinha dito que eu parecia que tinha vinte, e... e eu acreditei nele, então eu tenho vinte e dois anos. E posso andar com vocês, e se vocês me acham ruim, depois tinham que ver o Hani atirando com a besta”.

Hani fez cara de mau. “E você com essa história de rapto denovo.”

“É verdade...”

“Toda vez que você conta, muda os detalhes”, disse Lemminkainen, bocejando e deitando no colo de Pluma. “E ninguém aqui engole essa de você ser a nobilíssima herdeira da coroa de Odenheim. Não tem ninguém te procurando, você é ralé que nem eu. Além do mais, os únicos aristocratas aqui são o Luc e o Hani, e o Hani parece mais um babãozinho!”, grasnou rindo.

“Conta essa história denovo”, disse Luc. “Exagera nos detalhes acrobáticos que nem da última vez, pro Hani desemburrar. Só não inclui aquele golpe fenomenal de espada que você deu aos cinco anos de idade”.

“Mas eu juro que eu acertei aquele homem com a espada! Por todos os altíssimos! Era uma noite como outra...”, fez-se reticente e deu um arzinho de mistério. Sorriu. “... eu me lembro de me olhar no espelho o tempo todo. Tinha um cabelão vermelho que eu não deixava ninguém mexer, e usava as roupas mais bonitas. Odiava quando aquelas criadinhas vinham me pentear, eu batia nelas com a bengala de meu pai.”

“Muito convincente,”, disse Lucas. “mas vá para a parte do seqüestro.” "