Artigo: A Civilização Damdaran

Talvez um dia, nós tenhamos que dividir todo nosso espaço com a civilização damdaran, que, apesar de tímida e reclusa, cresce cada vez mais em seus recantos nas terras baixas de Cédara e na costa oriental de Faris; são quase desconhecidos em outros cantos do mundo.

Damdari são semelhantes a nós, mas são menores, mais esguios, e têm a pele mais escura, geralmente em tons de castanho. Seus cabelos são lisos, geralmente castanho-claros ou cor-de-terra: eles geralmente os usam soltos. Seus rostos são infantis e finos; muitos ostentam narizes um pouco compridos. As orelhas dos machos, bem como as partes laterais de seus rostos, muitas vezes assemelham-se à de uma outra conjuração. Quase todos os damdari machos morrem de vergonha de suas orelhas e usam os cabelos por cima delas quando em meio aos humas. As fêmeas têm orelhas humiformes pequenas e usam cabelos curtos bagunçados.

Gostam de grandes áreas abertas e planícies; são estritamente vegetarianos e podem viver mais de duzentos anos. Eles tiveram participação ativa no conflito contra os djins e existem em Natal há muito mais tempo que nós. Na época, serviram como mensageiros, cavalariços e espadachins. Eles afirmam que aprenderam o titani de um santo de armadura de ferro assim que seus primeiros chegaram a Natal; eles os ensinara enchendo suas bocas de pólen. A maioria fala ambas as línguas, o titani e o alvalli, e alguns, principalmente os descendentes de suas castas mais guerreiras, têm noções de daoi, a língua proibida dos djins.

Sabendo o titani, os damdari comunicam-se com eficiência com boa parte das conjurações. Eles nunca admitirão isso, mas comunicarão-se com mais eficiência ainda com a conjuração à qual correspondem suas orelhas. A ligação dos damdari com Natal os faz geomantes maravilhosos; por outro lado, eles sentem-se péssimos fora do mundo, deprimidos e sem vontade de fazer coisa alguma. São, também, ótimos espadachins, e têm grande acuidade de reflexos, bem como um olfato privilegiado.

Por outro lado, suas aparências enganam muito no que diz respeito à maneira como pensam. A maioria é bastante sisuda e séria, e anda de péssimo humor. Eles odeiam música huma e não perdem uma oportunidade de ofender qualquer coisa feita por eles. Não são capazes de dizer frases curtas em alvalli (reflexo de sua intimidade com o titani) e poucas vezes ficam dispostos a colocar sua habilidade em comunicar-se com conjurações em prática. Gostam de viajar sozinhos. É difícil, inclusive, que um damdaran se dê bem com seu próprio bando e família. A maioria parte para procurar seu sustento e vida como caixeiros-viajantes ou mensageiros, sua ocupação desde milênios atrás. São ótimos cavalgadores de celados, bem como todas as coisas que aguentam seu peso. Eu já vi um damdaran montar um felpus e, pouco depois, um azdar.

As fêmeas são mais raras e um pouco diferentes dos machos. São curiosas e têm a mente mais aberta; gostam de trabalhar com comércio junto aos humas, particularmente de integrar linhas de produção simples como padarias e confecções. São boas com artesanato e trabalhos manuais; vivem de maneira plácida e pacífica. Quando atingem uma certa idade, muitas têm que abandonar seus afazeres para procurarem um 'namorido', um parceiro com quem possam gerar um único filho. A gravidez da damdaran dura de quatro a cinco meses, durante os quais o macho têm que lhe fazer mordomias (de péssimo humor). A ocasião do parto é misteriosa, e não se conhece a Alma Mater dos damdari; a criança é, daí em diante, criada pelo pai, que lhe ensina tudo que ela tem de saber antes de soltá-la no mundo. É raro que o casal fique junto depois disso. As fêmeas costumam ter o impulso de se reproduzir umas quatro vezes durante a vida.

Os damdari não batizam seus filhos. Eles são chamados de 'coisa' ou 'isso' até terem idade suficiente para escolher um nome para si próprio, geralmente muito longo, e em titani. Eles odeiam fama e reconhecimento, e trocam prontamente de nome quando dão na telha ou tornam-se conhecidos. O pior de tudo é que eles tendem a esquecer seus nomes antigos de verdade, e deixar de responder por eles.

A civilização damdaran é temente a Maeve de uma maneira silenciosa e estranha. Eles não oram e dificilmente se tornarão adeptos de qualquer altíssimo. Se você me perguntasse e eu respondesse com sinceridade, eu diria que eles sabem de alguma coisa que ninguém mais sabe, e não falam de jeito nenhum. Não gostam de falar sobre fé e crença e ficam subitamente sérios quando trata-se deste assunto.

À medida que envelhecem, os damdari vão piorando de humor e tendem a ficar cada vez mais reclusos. Seus cabelos escurecem ao invés de clarear, e eles vão andando cada vez mais curvados, como pequenos anciões. Diz-se que Maeve os leva de volta para casa antes que morram, e eles rejuvenescem para viver mais uma vez em seus mundos natais.

A maioria dos damdari sabe se defender, e bem, com geomancias. Quase todos carregam cetros de madeira com os quais invocam poderes naturais; são péssimos com armas de distância. Em Cédara, chamam de filho-de-damdaran as pessoas que pecam na pontaria. Gostam de brigar de perto, se precisarem brigar; não são particularmente fortes, mas sabem bater onde machuca e esquivam infernalmente bem. Alguns herdaram de suas castas a disciplina do Galho Djin, aprendida nos tempos da guerra. Os que o fazem lutam com galhos verdadeiros, nunca com espadas galhiformes, a não ser que seu galho tenha se perdido ou extraviado. São muito desajeitados com armas maiores que cetros e espadas; odeiam carregar peso.

Damdari viajantes muitas vezes são seguidos por um pequeno séquito de celados, que carregam suas tralhas. É raro que um damdaran se desfaça de algo se puder guardá-lo, mas por nada neste mundo o damdaran carregará coisas pesadas nas costas. Eles gostam de fazer comércio e de estar sempre na estrada; muitas vezes, gastam boa parte de seu dinheiro com mordomias nas cidades. São fracos para bebida; o álcool os deixa sonolentos e bobos. Preferem manter suas palavras, mas consideram um 'retiro o que disse' suficiente para quebrar os juramentos mais sérios.

Outra característica interessante da personalidade damdaran é a tradição do Quite. O Quite rege a vida de muitos damdari que vivem entre os humas. Eles odeiam ser ajudados, mas, uma vez que precisem e forem, farão de tudo para pagar o favor. Da mesma maneira, se ajudarem alguém, eles não desgrudam da pessoa até que ela lhe retribua. Por isso, o damdaran que quer sua independência faz de tudo para não receber ajuda. Amizades verdadeiras entre humas e damdari surgiram de contas sem-fim de favores pagos e favores a pagar. É lógico para eles que seja assim, e eles não conseguem viver de outra maneira. O Quite também funciona para o inverso, e eles são vingativos com aqueles que os prejudicam pessoalmente. É possível que eles fossem muito mais desligados dos humas se não tivessem esta mentalidade: normalmente, o damdaran só se importa consigo mesmo.

Uma pergunta que eu nunca quis responder foi acerca da existência de meio-damdari. Mas vou: nunca vi. Eu nunca vi gente menos romântica que os damdari, a maior parte dos machos têm aversão à intimidades físicas, ainda mais com mulheres humas; da mesma maneira, as fêmeas damdari, apesar de, talvez, ligeiramente mais dispostas a experimentar coisas novas, devem parecer meio magrelas e pouco interessantes para os homens humas. Os cedarianos é que vivem querendo estudar esta possibilidade, mas duvido muito que um huma, ainda mais um frouxo de um cedariano, consiga levar uma damdaran no papo para isso. Talvez um odeniano conseguisse, um farisiense fortinho quiçá, mas um cedariano, definitivamente, não.

Dizem que, próximos de lugares onde houveram grandes guerras djin no passado (principalmente em Longinus e em Cédara), existem santuários Damdara, refúgios escondidos no meio de áreas selvagens onde os damdari poderiam parar para descansar em meio a grandes jornadas. Estes refúgios, segundo ilustrações de velhos livros, eram construídos sob a terra com azulejos, boas lareiras e várias pequenas mordomias; suas entradas eram submetidas a encantamentos que permitiam apenas aos próprios damdari os encontrarem. De fato, um destes foi encontrado próximo à Velha Alagos, mas não se sabe se é o único. Eu visitei o lugar, e ele parece datar de muito tempo, mas muito tempo mesmo. Parece que o gosto dos damdari por mordomias data de muito antes de seu convívio com os humas.

Hoje em dia, estimo que existam, talvez, uns quinhentos damdari sobre Natal, mas seus hábitos peregrinos e irresponsáveis não nos permitem fazer uma estimativa perfeita. Ao menos trezentos deles fizeram comércio conosco no último século, mas, novamente, esta estimativa pode estar errada dado o gosto deles por trocar de nome.