Notas Acerca das Transcrições

Como bem se sabe, todos os Odes dos tomos escritos por St. Sharini foram manuscritos em titani, a língua primeva de Natal (provavelmente a mencionada na mítica história dos primeiros homens silenciosos e daqueles que aprenderam do titã de ferro), que deu origem ao dialeto comum que fala-se hoje em dia, o alvalli. A transcrição do titani para o alvalli reduz o tamanho do texto significativamente; sabe-se que no titani todas as palavras são acompanhadas de todos os seus sinônimos; a distância e a diferença da primeira e da última palavra dão ênfase ou não naquele termo. Poucas pessoas dedicam-se ao estudo do alvalli hoje em dia; aparentemente ele é impossível de se pronunciar, salvo longas orações que foram preservadas desde os Dias Antigos, provavelmente datando de menos de 2000 A.F.

Transcrição do Tomo das Eras, L


A luz veio sobre a alvorada
A alvorada veio sobre as estepes
As estepes rolaram sobre tudo que pacífico era
Em um só som majestoso e pacífico
Sobre um só tom, diapasão dos fanáticos
E em uma só luz, imutável e infalível.

Artigo: O Estilo Firrareano

Nos condados de Firrara próximos a Veruna, nas amplidões de Rublo, houve durante o quarto século um grande culto ao folclore gentio na literatura e nas artes. Fundou-se o estilo artístico de Firrara, que faz de tons escuros de verde, vermelho e negro milhares de desenhos poluídos, detalhados e estranhos, inspirados pelo subconsciente dos habitantes de um lado amplo e quase desabitado de Oden, Ayanan.

Hoje em dia o estilo firrareano está um pouco passado. Quase todo odeniano tem um quadro, um escudo ou uma cornija de lareira feito com as cores de Firrara. A época grande do estilo foi uma em que muita gente subitamente decidiu produzir peças de arte e o estilo foi um pouco banalizado. Em Rublo, hoje em dia, está havendo, contudo, uma revitalização do estilo feita por artistas verdadeiros, inspirados e imaginando cenas fabulosas, muitas vezes substituindo as cores negras pelas brancas numa licença poética ousada.

A literatura firrareana é apressada e prolixa. Contos de anos de detalhes são feitos em parágrafos e às vezes uma página é usada para descrever uma cena em uma velocidade intensa e passional. A intenção original era reproduzir alguém que tenha visto algo fabuloso e queira contar tudo sem conseguir ter por onde começar... mas o estilo evoluiu para uma espécie de êxtase poético onde todas as palavras se unem para fazer uma descrição ou uma cena perfeita.

A música firrareana, se é que houve um estilo de música firrareana, era feita com bandoneons e violões. Era música de gentios, que foi explorada por um ou outro compositor erudito (notavelmente o Monsenhor Barclay, que deve ter composto ao menos cinco odes para cada conjuração que já pisou o solo de Natal). Explorava poesia como a da literatura, limitada pelo contexto melódico da música. Nada grave a dizer. Era música tocada por poucos e cantada por muitos, que hoje em dia quase não se executa salvo em áreas de ruralidade intocada pela urbanização e organização de Rublo.

Lothair.

A colheita desta semana foi a melhor desde nossa chegada. Insisti com meus camaradas de ir, desta vez. Quase não me deixaram ir - todos queriam ir a Lothair e mostrar serviço. Até parece que não sabem que a recompensa do nosso trabalho é o nosso trabalho e nossa sobrevivência, e que o fato de um de nós ter de ir a Lothair é uma obrigação, não uma espécie de passeio.

Imagino que deva começar a planejar minha saída deste lugar. Subestimei a vigilância dos rublenses. O pior de tudo é que este povo não está interessado em dinheiro, que nada vale nessas terras. Espero que a tal 'autorização' para abandonar as terras seja fácil de conseguir, ou estarei preso aqui. O que não é uma perspectiva tão desagradável, mas eu tenho um compromisso com minha obra.

Viola veio se despedir de mim no carro: era uma picape das antigas, que eles fingem nos convencer que funciona à díesel e nós fingimos acreditar. Na verdade é uma máquina Matra, movida a madrejaspe geomântico e encantamentos de feitiçaria. A fumaça que sai atrás denuncia: é azul-química, refugo de madrejaspe. Anda bem, pelo menos, cruzando as estepes que separam nosso orquidário de Lothair. Guardei na cabeça o caminho tomando como referência as placas que ultrapassamos: confusas, mas muitas, repletas de signos heráldicos para as cidades e construções, tudo estatizado e sinalizado para uso das autoridades. Não ensinam essas coisas para quem não precisa aprender. A vida aqui é planejada.

O motorista não era de muitas palavras. Perguntou das orquídeas ("Ótimas, em grande quantidade"), perguntou se estávamos felizes ("Claro"), perguntou se alguém estava mostrando intenção de sair ("Não, senhor, claro que não").

Eu não tenho cara de farisiense, Maeve sabe que eu não tenho. Pior, eu não tenho cara de quem tenha sofrido na vida, como de fato não sofri, Maeve foi generosa comigo e com minha família. Sempre fiz o que quis, sempre estive longe do perigo, sempre antevi revoluções e sempre estive a distâncias seguras de tudo que estava acontecendo. Cédara neste último século, principalmente o sul próximo de Axúria, foi a região mais pacífica e próspera para se viver. Houveram pequenos combates nas fronteiras do norte, mas muito poucas casualidades, lutaram os cedarianos mais com máquinas e barricadas do que com pessoas. Lutaram a boa batalha, tiraram campos de cultivo preciosos dos ivoreanos, não perderam quase ninguém. Só esqueceram de devolver o que pegaram pra Faris quando tudo terminou, mas nos dias de hoje creio que isso seja só um detalhe.

No sul, tudo foi calmo. Uns poucos jovens se despediram de suas famílias para conhecer as guerras no front para não voltar nunca mais. Foi triste, mas foi calmo. Principalmente perante o caos em que estava o resto do mundo - isto ainda antes dos adventos da Décima Quinta, pouco antes do início do nosso sétimo século da Fundação.

Permiti que meu pensamento voasse. Perdão.

Os muros de Lothair eram chantelianos, altos, pedra sobre pedra em uma nova cidade feita com muros com placas de metal curado, tratado e passado alquimicamente, com esculturas de aur, monstros e bestas de um folclore moderno ressurgindo em Rublo. Não foi-me permitido ver muito. Não era cidade, ninguém viveria ali. Era um templo sendo construído sabe-se lá com que metais e riquezas (porque é uma obra monumental em ouro, azul escuro e pedras negras). Era um templo alto com torres de granito, lanças de ouro, cinco campanários altos com sinos. A mandala estaria dentro para descer um puta avantesma.

Alguma coisa deve estar para mudar.