Foram suas últimas linhas.

751 D.F.: Terceiro dia de Regentes, sétimo dia.

"Chove incessantemente do lado de fora. Ainda não vi o que aconteceu à capital nos anos de minha ausência. Discordo da posição do Império em que minha integridade está ameaçada. Nesta altura da história, nada do que acontece lá pode ser entendido por um segredo. De uma prisão à outra, pouco mudou, mas ao menos agora tenho como conseguir informações dos soldados. Tenho uma audiência marcada com Aeolus daqui a dois dias para reportar minhas atividades."


Hoje, aos sete dias de Regentes do ano de setecentos e cinqüenta e um Desde a Fundação, faço destas palavras oficialmente as últimas de Ivaness Rel Barlaam, historiador da coroa. Esta arca foi iniciada há dezessete anos e a encontrei resistida a um grande incêndio num abrigo político em Tércia onde seu dono teria falecido. Entendo que ao pousar meus olhos sobre suas páginas eu estava imediatamente me expatriando.

Meu nome é Karkadann Alkyon, nasci nos novos dias de Odenheim em Capela, e estaria concluindo minha formação como um Investigador Real, o que indica que sou muito pouco mais capaz do que qualquer pessoa. Este nome está morto e será meu segredo. Apresentei-me aos marinheiros deste navio como Zelus, uma palavra de titani antigo para um guardião ou perpetrador. É o que serei, junto com um marinheiro, um carpinteiro, um trabalhador rural ou qualquer coisa que possa manter meu corpo vivo enquanto eu puder escrever.

Vamos para Ramona. Longe do continente e longe de Nelbiand eu irei levar o intuito de Barlaam adiante.

Barlaam, o prisioneiro político

Esta é a primeira entrada nesta arca após minha desventura em Rublo. Fui delatado como um homem de má-fé e um espia; minha fuga foi barrada pela Escolta Patriótica e passei cinco luas como prisioneiro político. Minha ausência foi notada pela Metrópole e a Magna Ordem dos Investigadores Reais descobriu meu paradeiro por seus próprios meios. Fui liberto, junto com alguns longinianos e um meio-djin nortista, numa ação rápida e destrutiva dos Elmos Escarlates, sem diplomacia ou ameaças. Vieram como o vento baixo antes da chuva e tomaram a cidadela-prisão de Foliot num único assalto.

Escrevo de Tércia, num abrigo protegido dentro de um prédio militar. Meus aposentos são confortáveis e frios; todos os meus escritos anteriores foram trazidos de Nova Belgrade com algum cuidado. As cartas que recebi em ambos os meus endereços estão acumuladas há anos em dois baús perto do capacho da entrada. Iria lê-las, mas a caligrafia de Bia no primeiro envelope que vi trouxe à tona memórias dolorosas e desisti de minha intenção.

Chove incessantemente do lado de fora. Ainda não vi o que aconteceu à capital nos anos de minha ausência. Discordo da posição do Império em que minha integridade está ameaçada. Nesta altura da história, nada do que acontece lá pode ser entendido por um segredo. De uma prisão à outra, pouco mudou, mas ao menos agora tenho como conseguir informações dos soldados. Tenho uma audiência marcada com Aeolus daqui a dois dias para reportar minhas atividades.

Artigo: Scheltopusik

Scheltopusik, Ophius apodos, são lagartos farisi alongados e sem pernas e constituídos de 70% de matéria geomântica, manifestando-se como se fosse vidro orgânico. Chamados Chinee em Cédara, são guardiões silenciosos dos desertos e cânions, seres reverentes que se alimentam de Latência e anseiam pela hora em que não poderão mais sobreviver, no momento em que o mundo estiver inteiramente puro. Eles podem levitar e voar livremente, e muitas vezes alcançam até 300 centímetros de comprimento.

Naturalmente solitários, os scheltopusik são extremamente inteligentes. A única coisa que pode fazê-los tornarem-se agressivos é a própria agressividade - um scheltopusik atacará e matará qualquer criatura que cometa atos de violência dentro de seu território numa fúria quase inconsciente. Ele sempre sabe quem atacou primeiro e quem iniciou o conflito. O scheltopusik mata atingindo o alvo com grande velocidade e o levantando aos ares ou o perfurando com o corpo. É capaz de invocar geomancias com potência absurda.

Alguns scheltopusik têm grandes asas musculares; outros têm barbatanas. Outros podem ter ainda outros adendos; não existe um scheltopusik igual ao outro, mas na velocidade em que se movem podem se tornar bastante parecidos para um observador casual. É comum vê-los em travessias grandes em Faris, mas a maioria das pessoas que acha que os vê está apenas olhando para alguma coisa se refletindo à luz de Nila.

Artigo: Merles

Merles, Hiero lennonsi, são pássaros das alturas que só existem em Cédara. Acostumados a grandes altitudes, preferem as áreas ao redor de Axúria e fazem seus ninhos em torres altas e nos campanários dos templos. Quando jovens, os merles variam em cor de cinza-chumbo a azul-claro, mas maduros, invariavelmente são negros, sendo muito raro o pássaro que conserve as cores da juventude.

Têm um conceito de família incomum entre os pássaros: quando os ovos racham, os irmãos voam para sempre juntos até atingirem a idade de acasalar. O irmão mais velho desenvolve um trinar grave sobre o qual os outros pássaros cantam em relações harmônicas. O resultado é uma música sutil e dissonante que é, para muitas pessoas, o espírito de Axúria. Os merles não gostam de Nila em seu pico, mas também não enxergam bem no escuro. Costumam sair de suas tocas nas horas que antecedem o crepúsculo e nas primeiras horas da noite. Nesta hora, a cidade toda se enche de sua música estranha e convidativa junto com a baixa-luz.

Artigo: Zaedi

Zaedi, Prio zaedi, são mamíferos pequeninos recobertos por conchas ósseas protetoras do tamanho aproximado de uma mão humana aberta. Grandes escavadores, têm o corpo inteiramente negro ou cor-de-terra com manchas negras; suas conchas normalmente têm cor de âmbar e mostram desenhos geométricos sempre simétricos, na maioria das vezes redondas, existem zaedi de concha em formato de delta e em formato aproximado de pentágono. Eles existem em números relativamente grandes em subterrâneos úmidos o suficiente. A maioria têm fugido de Faris nos últimos anos à medida que o reino torna-se demasiado seco para eles.

Os zaedi formam sociedades organizadas e alimentam-se de pequenos lagartos e insetos. Viajam sempre por baixo da terra fazendo uso de túneis, mas não têm problema em escalar paredes ou pendurar-se de cabeça para baixo nos tetos.

Sendo conjurações posteriores à Era, entendem pouco titani e têm muito medo dos humanos, quase nunca sendo abertos à conversação. Quando amedrontados, ameaçados ou encurralados, eles soltam gemidos e guinchos tristonhos e choram convulsivamente; quando estão em perigo de vida, podem morder ou pior - invocar geomancias presas em rochas que tenham eventualmente consumido, normalmente na forma de sopros de areia ou fogo.

Artigo: Manalis

O manali, Bos shan, é um mamífero de grande porte, curvado e com a cabeça ornada de chifres que habita as montanhas do Oeste de Faris. De cor branca e pêlo curto, é criado por caravanas e povos errantes como fonte de leite; ele também pode ser usado como apoio em expedições montanha acima e em travessias de regiões acidentadas, onde seu ritmo naturalmente lento consegue acompanhar celados e gente.

Naturalmente servis, os manalis são respeitados pelas civilizações humas desde o começo dos tempos. O costume de enfeitá-los com sinos, faixas e selas ornamentais sobrevive até os tempos difíceis de hoje, e eles são enterrados com respeito quando perecem, normalmente de causas naturais, ao alcançar aproximadamente 40 anos. O mugido do manali é um som quase musical e grave, semelhante a uma tuba, normalmente soltado em longos salvos contemplatórios.

O queijo feito do leite processado de manali se chama 'crupe' e tem um sabor adociado muito característico, muitas vezes servido com frutas e geléia. O leite em si é bastante nutritivo e era servido com chocolate nos tempos da Velha Faris, principalmente nas alturas das montanhas. Os manalis se alimentam de várias plantas, principalmente capim e alguns tipos de líquens que crescem na umidade. Criadores experientes de manalis sabem alimentá-los de maneira a otimizar as propriedades nutritivas e o sabor do seu leite.

Existe uma variedade de manali no sul de Odenheim chamada 'nepal', Bos grunniens, de cor escura e longos pêlos que alcançam o chão. Extremamente adaptados ao frio, estes manalis árticos fornecem, além do leite, todo o pêlo macio e denso que possuem em seus dorsos.

Artigo: Os Ventos Belvederinos

A imersão do Castelo Sagrado da Cerração no início do século ocasionou um choque de retorno grande o suficiente para definir uma degeneração terciária na redoma sobre o Belvedere. O esforço da ordem de Buriash com invocações de Cálciferes restaurou parte do olho, mas os tauroclasmas constantes trouxeram ventos áridos pela costa de Faris, mudando quase todo o seu cenário a olhos vistos. Ironia do destino, o maior estrago não fora feito por Ivoire, mas pela maldição do Cardeal Bram, um odeniano, tomado por Câncer.

Os ventos do norte, trazidos do Belvedere, são vermelhos e trazem suas areias; estes ventos são chamados pelo farisi, há mais de cinqüenta anos, de 'jugos', e pelos cedarianos do norte, de 'leveches'. Eles normalmente antecedem tempestades das mais terríveis, quando não tauroclasmas. Ambos os eventos estão completamente fora do controle dos adeptos de Buriash. Parte deles atinge as fronteiras internas de Faris de maneira surpreendente; a única área salva é a província de Alagos que recebe partes mínimas dos ventos vermelhos por cima do Alvo.

Os jugos alteraram completamente outrora ensolarada costa do continente, tornando-a um lugar rochoso e seco, principalmente nas maiores altitudes. Sangaria não tem florestas salvo as de Alagos; bosques secos em beiras de estrada são visões comuns, árvores que já receberam vários raios, carbonizadas como se tivessem esquecido de cair, cadáveres ocos olhando por sobre as terras secas com desdém.

As areias quentes trazidas pelos jugos calcinam o solo onde caem. Durante sua estada, os ivoreanos instalaram máquinas Centurion, construções subterrâneas com grades imensas na superfície da terra que projetam colunas de vento frio para cima afim de bloquear os jugos. Como tudo antigo e ivoreano, trata-se de tecnologia Matra. Enquanto bloqueam as areias, as enormes máquinas desprendem redoma com grande aceleração, contribuindo para o alargamento do olho monstruoso do Belvedere.

Artigo: Friar Frontale

O Eminente Friar Frontale, dos Reis Magos, é o maior administrador. Trabalha praticamente sozinho na Província de Xios, um conjunto de vilas a sul de Orai; independente de seus irmãos ele tem tido os melhores resultados tornando toda a população sob seu mando excepcionalmente educada e treinada. Iniciou seu mandado trazendo escolásticos expatriados de vários lugares e os pôs em posições de poder; trouxe professores e construiu centros de cultura. Hoje, mais da metade de sua população viaja para Cédara a trabalho e volta trazendo encomendas para o governo, em sua maioria carregamentos de produtos agrícolas.

Frontale teve uma curta carreira como dervixe e se tornou um feiticeiro ávido pouco depois do início das Guerras de Iblis, mas foi capturado pelos ivoreanos e mantido cativo por quase quinze anos. Foi o responsável por uma rebelião e fuga em massa de uma das masmorras mais profundas de Biblos num plano perfeito que levou mais de um ano para ser executado, e saiu de lá como um dos prisioneiros de guerra mais procurados em Ivoire.

Com um séquito de arruaceiros, intelectuais e pensadores, Frontale voltou a Faris e abrigou-se em Orai até o fim da guerra sob a proteção de Sanfrecce. Em troca, gerenciou números e administrou patrimônios com precisão, fazendo barganhas milionárias com mercantes cedarianos e salvando várias vezes o projeto de revolução da falência imediata.

Dos Reis Magos, Frontale é o mais educado, sendo um cavalgador hábil e vestindo-se impecavelmente, normalmente com cores escuras e uma peça qualquer de cor azul marinha, combinando com seus olhos. Atualmente, seu cabelo está ficando cada vez mais grisalho; ele lhe cai pelos ombros em grandes cachos e é unido em um rabo de cavalo. Apesar da relativa idade, ele tem invejável forma física e diz-se que é um combatente hábil com um bastão.

Artigo: Irissarri Albirex o Bradador

O Eminente Irissarri Albirex sempre foi louco - e hoje ele governa a província deserta e sujeita a tauroclasmas do Belvedere, e é responsável por todos os seus templos. Um homem desesperado enquanto lutou e foi preso várias vezes pelos ivoreanos, ele continua desesperado erguendo seu cajado sobre seu novo mundo árido e quebradiço.

Em vida (enquanto não entregou-se ao Belvedere), Irissarri já foi derrubador, teve sua bandana vermelha, tornou-se um feiticeiro, e aprendeu com longinianos retirantes o verdadeiro significado da destruição de uma vida. Lutou contra os ivoreanos e fez tudo em sua vida como se fosse seu último dia. Hoje, Irissarri mal consegue andar sem ajuda e parece completamente incapaz das magias destruidoras que um dia o caracterizaram. Na época que o encontraram, Irissarri era um redemoinho de devastação ambulante que precisava de orientação. Hoje, os reis magos o procuram para evocar a sabedoria contida no sofrimento de seus olhos.

Irissarri passa boa parte de seus dias completamente sozinho num palacete árido no Belvedere. Um círculo de sacerdotes de Buriash vêm a cada lua promover grandes invocações de cálciferes, que vêm aos milhares no lugar amaldiçoado. Com um feitiço Irissarri é capaz de movê-los; como um brilhor difuso eles conseguem erguê-lo ou erguer o trono inteiro. Contam os adeptos de Fantasos que o palacete inteiro já foi movido.

Como um administrador, Irissarri é praticamente um anarquista. Sob seu jugo estão algumas centenas de adeptos e iniciados em vários templos do Belvedere, como a Torre Secreta e os domínios de Andarta e Valvalis. A maioria dos templos funciona em autogestão; mesmo assim, algumas ordens partem do palacete por meio dos coronéis que patrulham o lugar. A única área que se manteve independente foi o Castelo Sagrado da Cerração, ainda que Calcedona esteja sendo lentamente reconstruída por viajantes.

Artigo: Kirke-Jan de Undine

O Eminente Kirke-Jan de Undine teve uma longa carreira como um feiticeiro caçado pelo oeste farisi durante os primeiros quarenta anos de sua vida. Um controlador talentoso do elemento dos ventos áridos, Undine ficou conhecido por suas várias investidas contra os ivoreanos antes de ser recrutado por Sanfrecce.

Caracterizado pelo permanente olhar de espanto e pelas marcas semelhantes a erosão em seu rosto, Kirke-Jan parece muito jovem para sua idade. Afora as estranhezas, ninguém daria a ele mais de vinte e cinco anos sendo que ele tem mais de sessenta. Diferente da maioria dos feiticeiros, Kirke-Jan vibra com vitalidade e poder, e conhece quase todas as técnicas de luta dervixe. Possui duas cimitarras invejáveis com gumes azuis brilhantes, parcialmente feitas de vidro alquímico e com guardas de bronze polidas. Ele sempre as leva mas nunca foi visto lutando com elas.

Do ponto de vista da redenção, Kirke-Jan foi o mais ausente. Nunca afirmou ou confirmou nada acerca de ter sido um feiticeiro e parece não se envergonhar disso. Como um líder é apático, deixando basicamente Alagos inteira correr como está. Passa dias em meditação quando não está completamente desaparecido. Como qualquer um que some, diz-se que ele está procurando Meredith em Alagos; de fato, ao contrário do esperado, sua população é provavelmente a mais despreocupada de Sangaria. Muitos heróis e damdari vivem nesta região, mas passam boa parte do tempo fora cumprindo demandas ou objetivos pessoais. Suas famílias são em boa parte sustentadas por seus lucros e não têm quase dependência externa, mantendo férteis plantações aquáticas de hortaliças e ervas.

Por vezes, Ventforet vem a Alagos visitar Kirke e o cumprimenta pelo bom trabalho em Alagos. Ele não assume e nem nega que não faz absolutamente nada. Costuma ter palavras de paz e calma para Ventforet; nestas ocasiões são promovidas festividades ao ar livre perto das florestas refletidas nas águas, e os dois discutem abertamente para quem quiser ouvir. Uma espécie de democracia acontece nestas horas à medida que quem quiser gritar uma sugestão certamente será ouvido.

Artigo: Gray Rel Ventforet

O Eminente Gray Rel Ventforet chegou jovem a Orai depois te ter perdido quase toda a família num jogo de interesses entre nobres cedarianos. Frente à guerra, entregou sua alma à feitiçaria e descobriu um talento ávido e selvagem em suas veias, se tornando um herói.

De ascendência cahuilla e cedariana, ele tem cabelos cinzentos volumosos cacheados e pele escura, como se fosse a casca de uma árvore. É divinamente alto e sua fala é naturalmente empostada, ele não consegue dizer uma palavra sem fazer com que todos a ouçam; poderia conversar normalmente com uma pessoa a dez metros de distância. É um grande conhecedor de história, línguas e teologia, e dono de um carisma selvagem e fortíssimo. Consome informação esotérica diariamente e usa vários patoás cahuilla com as bênçãos dos altíssimos de Agustine, além de uma faixa trançada verde e gris por sobre o ombro, larga e completamente bordada em fios grossos, como símbolo de sua autoridade.

Há alguns anos admitiu publicamente ter praticado a feitiçaria mas colocou claro que sua prática pertencia ao passado e a tempos de necessidade.

É surpreendentemente amável com seus súditos e honrado em sua palavra, ainda que completamente inflexível. A competição, sobretudo com os outros Reis Magos, lhe desperta uma avidez de progresso que o faz o maior líder de Sangaria. Como o embaixador de seu Protetorado, Ventforet usa uma túnica trançada vermelha simples e botas ferradas de manufatura cahuilla, com plataformas que relçam seu tamanho gigantesco: seu rosto e cabelos pouco comuns o destacam da multidão.

Da primeira vez que voltou a Cédara desde sua infância, Ventforet foi o causador de um escândalo ao agarrar e ameaçar de morte Felippo de Agnesa, um grande mercador que se recusou a enviar soja para Sangaria temendo a ação de bandoleiros farisi. Ventforet pediu desculpas publicamente, mas quem presenciou sua cena poderia jurar que Ventforet, vermelho e de olhos lívidos, era um monstro em desespero, não um huma. Felippo acabou por mandar os carregamentos que chegaram intactos a Sangaria para suprir o país depois de uma péssima colheita e foram pagos rigorosamente na data marcada. Desde então, Ventforet adquiriu uma reputação de confiança, mas ninguém mais negocia com ele pessoalmente, um desastre do ponto de vista diplomático.

Gray de Ventforet passa a maior parte de seu tempo recebendo as pessoas na antiga abadia de Vestania e ouvindo seus problemas. Qualquer pessoa que enfrente a subida de cento e sessenta degraus para a sede será ouvida, queira falar de um ente morto ou de um problema da população, e ninguém vai embora sem ouvir palavras ponderadas de Ventforet. Não há uma pessoa na costa de Orel que não tenha ido pelo menos uma vez visitar o Rei Mago, e todos que voltam são tratados pelo nome por Ventforet. Muitas pessoas sobem em grupos, os excedentes somente para ouvir a sabedoria do meio-cahuilla e sua singela bênção de "Maeve sobre vós".

Artigo: A Iniciativa Branca e o Protetorado de Sangaria

A morte de Lemminkainen, o Imortal (672 D.F. - 701 D.F.) e o genocídio de Céus Partidos marcou o início de um movimento reacionário explosivo dos dervixes, a Iniciativa Branca, que hoje se sabe ter feito residência na Abadia de Vestania, um santuário que suportou intocado as Guerras de Iblis. Espelhando-se na revolta vitoriosa da Décima Quinta odeniana, a Iniciativa Branca foi o mais próximo que Faris teve de heróis de guerra.

Construída por povos andantes em aproximadamente 600 A.F., Vestania foi lar de uma civilização hoje perdida que se extinguiu poucos anos antes da chegada da Santa Comitiva a Nelbiand. À pequena costa de montes escarpados elevando-se à beira do mar foi dado o nome de Costa de Orai. Esta ainda conserva-se quase completamente tomada pelas pequenas casas de pedra daquele tempo, e também a torre da abadia de Vestania ainda olha altaneira por sobre o Alvo. Com várias aberturas para artilharia, pode-se supor que o povo de Orai teria tradições guerreiras e algum entendimento bélico; fósseis de armas Matra eram encontradas quase anualmente em escavações financiadas por intelectuais belgradianos.

Até hoje não se sabe o fim que tomou o povo de Orai. Nunca foram encontrados indícios de batalhas reais. Conta-se uma lenda sobre Buriash tê-los banido do mundo por serem parte de uma proto-raça que estava condenada a habitar o passado para sempre. Em 566 D.F., Vestania foi tomada pelos dervixes calcedonianos como um posto avançado e algumas exigências, sabotagens, e dois conselhos em Belgrade e Glenária tornaram a área da Costa de Orai e suas circunvizinhanças propriedade dos dervixes, onde eles teriam direito absoluto, respondendo apenas à totalidade do Conselho. Não que tivessem de fato usado estes direitos. Após a concessão, Vestania continuou sendo, como sempre, um lugar de passagem, até cento e vinte e um anos depois.

Em 687 D.F., os ivoreanos vieram sobre Faris como uma sombra comprida, e Vestania, subitamente erguida com uma população de dervixe e civis liderados por eles, os recebeu no limite de suas forças, após atravessarem e lutarem com Faris inteira. O braço de Iblis não os atingira, e os cruzadores hevelianos, os únicos navios capazes de atravessar por sobre as minas aquáticas despejadas por Dário Meredith nos seus primeiros anos, estavam ocupados com o ataque à Capela no Monte Vigílio. A independência negociada pelos dervixes serviu para manter aquele povo na defesa de Vestania e impediu que eles se juntassem à pífia resistência que avançou contra o Planalto de Lorena em 692 D.F. junto com as Brigadas Diplomáticas de Oden. Este avanço caracterizaram como uma traição potencial odeniana, mesmo tendo participado dela Investigadores Reais, na época cadetes, como Mikalis Musa.

A vitória arrasadora dos ivoreanos e a instituição da União do Mar Alvo tomaram a costa leste inteira somente em documentos oficiais. A batalha se tornou ainda mais violenta quando Sanfrecce de Orai, um dervixe bandana-branca, tomou a dianteira no comando da Iniciativa Branca, uma organização para-militar constituída primariamente de dervixes e civis farisienses. Nos seus quase quatro anos de duração, a Iniciativa Branca atormentou o ministério ivoreano com ataques suicidas, feitiçaria, táticas de guerrilha e espionagem.

De 705 D.F. ao armistício de Biblos promovido por Dário Meredith, Sanfrecce ampliou pouco a pouco os domínios dos dervixes e liderou um ataque desastroso à Frontauria, cujas baixas foram incontáveis para os dervixes. Enquanto todos pensavam que os dervixes haviam saído completamente de circulação com a queda de Calcedona, eles agiam secretamente e coletavam tesouros dos povos costeiros prometendo a devolução da vida antiga quando os ivoreanos finalmente fossem expulsos das terras farisi. Viajando por terra, negociaram armas com os cedarianos e militarizaram populações embaixo dos narizes dos ivoreanos. Centenas de pessoas trocaram a noite pelo dia no processo secreto mais extravagante da história de Natal.

Poucos dias depois do Armistício, Sanfrecce foi emboscado e linchado por soldados ivoreanos retirantes. Levaram adiante seu plano quatro de seus seguidores: Ventforet, Frontale, Undine e Albirex, que ele chamava "Reis Magos". Não obstante, eram mais feiticeiros do que dervixes, responsáveis por boa parte do terror nos olhos dos ivoreanos.

Em 748 D.F., foi fundado o Protetorado de Sangaria - inicialmente às escuras, mas tornado público nas primeiras luas de 752 D.F. como uma nova pátria independente de Faris. O estado lastimável em que se encontrava o resto do país fez com que o brado de uma nova nação promissora ecoasse e tivesse como resposta imediata o silêncio, mas alguns anos depois, grandes caravanas começaram a chegar ouvindo as promessas do leste. Para o desencanto dos farisi, Sangaria estava fechada, talvez para sempre. Os que não quiseram ouvir foram repelidos com violência por uma nova ordem dervixe dedicada à proteção de Sangaria, os Coronéis.

O território de Sangaria hoje compreende uma faixa estreita da costa leste de Faris, desde o início do Belvedere até Alagos, mantendo o que podem se chamar de postos avançados nas proximidades de Glenária, onde confrontam com as autoridades de Velha Faris, corrompidas e desgastadas pelos ivoreanos. Sua capital mudou de lugar três vezes por causa de conflitos entre os Reis Magos, mas voltou a ser Vestania reafirmando a soberania de Ventforet de Orai. Cabem aos outros Reis Magos as províncias de Alagos (Undine), Xios (Frontale) e Belvedere (Irissarri) num regime semi-ditatorial.

O povo de Sangaria lamenta profundamente não poder dividir o que tem com o resto de Faris. Para todos, as portas do paraíso estão fechadas.

Leitura: Sobre Frontauria

A desolação de todos os farisi que viveram a terrível Guerra de Iblis, se pôde encarnar fisicamente, engastou-se cravada nas muralhas de Frontauria. Esta terrível fortificação, hoje deserta, por tantos anos foi a residência dos insubordinados, dos resistentes e dos revoltosos contra a colônia e a União do Mar Alvo. Lá não era permitido sorrir. Todos que lá ficaram presos envelheceram rápido e perderam o viço de viver, ansiando por uma existência melhor após a morte. Muitos ficaram insanos e doentes, e quando as muralhas foram abertas a tiros de canhão odeniano, não houve quem saísse dali correndo de braços abertos para ganhar de volta a liberdade.

Construída a 692 D.F., Frontauria foi levantada com pedras das cordilheiras Aesir. Suas muralhas inclinadas pareciam poder desabar a qualquer momento, e o solo todo foi consagrado a Marena, anjo da desgraça, desejo e cobiça de Ivoire. Sua imensidão labiríntica era proibida aos ivoreanos: os algozes, vestindo túnicas brancas e capuzes, içavam os prisioneiros de fora com um guindaste, e os atiravam ao lado de dentro aos berros para que eles nunca mais voltassem. Era permitido aos colonos assistir o espetáculo da condenação.

Uma vez à cada lua minguante, adeptos de Marena resguardados por milagres, os Doutrinadores, entravam em Frontauria por uma abertura nas muralhas. Acredita-se que eles o faziam com a intenção de matar, por piedade, os prisioneiros que já estivessem em estado avançado de mortificação. Isso é o que se conclui hoje em dia por relatos externos e documentos recuperados; na época, acreditava-se que os Doutrinadores marenitas torturavam os farisi internos de alguma forma. É claro que isto contribuía para o mito de Frontauria.

Outro mito é que o Bispo Maarten Lyon, grande compositor de música folclórica, tenha sido preso em Frontauria, e tenha escrito uma das suas mais complexas e belas peças, a "Alegoria da Seiva das Estrelas" ao ser liberto pelos odenianos, quase no final da guerra. A verdade é que foi seu irmão mais jovem o condenado, Tyre, e o Bispo Lyon tenha composto a peça em memória ao dia que acreditou que Tyre havia sido morto.

A crueldade assume muitas formas neste mundo.

Artigo: Celados

O celado ou "dragão-de-sela", Destrier trachea, é o principal animal de transporte de Natal, competindo apenas em Odenheim com os felpi. Trata-se de uma espécie dracontina bípede, com o corpo alongado e duas garras frontais, com uma crista curta e cor verde-pálida e caudas muito longas apontadas para o alto, que terminam numa abertura semelhante a uma arraia fina e escura, usada para equilíbrio. Como uma espécie, eles são relativamente recentes, provavelmente não tendo vivido a Segunda Era, ou pelo menos não tendo combatido os djins.

O Destrier trachea é inteligente, ainda que tímido. Servem aos humas com lealdade e disposição, e muitas vezes os compreendem melhor do que eles mesmos. Aprendem rapidamente muitas palavras em alvalli, mas mesmo em titani, a comunicação com é fácil apesar de eles nunca responderem com palavras, sempre com ações. Tendem-se a se sentir intimidados quando abordados desta maneira e são muito evasivos.

Os celados não são usados em Longinus porque têm uma espécie de pavor ancestral e estranho dos reptantes, entrando imediatamente em pânico à mera visão de um. Em Odenheim, precisam ser equipados com aquecedores dorsais, cobertores térmicos cheios de água que devem ser aquecidos periodicamente para manter o celado confortável. Eles começaram a ser trazidos para Ayanan no segundo século depois da fundação, mas não suportam naturalmente os climas mais frios por causa de sua natureza reptiliana.

Estes aquecedores são montados sobre as costas dos celados e têm uma sela encaixada. Prolongam-se para as costelas do animal e cobrem seu peito como um colete, tendo um espaço para um escudo relativamente pequeno de metal ser afixado. Seus tubos de água são aquecidos com fogo, mas modelos antigos Matra e aquecedores elétricos existem, apesar de não serem muito confiáveis.

A maioria dos celados que nascem hoje em dia são de famílas de celados citadinos, mas alguns ainda se criam soltos em áreas amplas. São preferencialmente ovíparos, mas adeqüam-se bem a rações nutritivas produzidas nas cidades. Muitas vezes, celados selvagens cansam-se de lutar pela sobrevivência e vêm às cidades procurar trabalho.

Entre os humas, não existe o conceito de posse para com um celado. Qualquer celado que seja encontrado no meio do caminho e não esteja esperando alguém em especial concordará em levar um huma para qualquer lugar enquanto for alimentado e bem-tratado. Eles entendem bem quando estão sob o serviço de alguém, e mantém-se prontos para encontrar seus empregadores em outros lugares se isto for necessário.

Para um celado, melhor do que ter sempre alguém para levar é ser afiliado a uma baia. Baias existem na maioria das grandes cidades e são grandes postos onde se paga para levar um celado. Lá eles são educados para trotar confortavelmente, são bem-alimentados, recebem tratamento especial e se preparam para enfrentar jornadas maiores do que os celados normais. Após concluir o trabalho, o celado retorna para sua baia. O senso de direção deles, principalmente para voltar para "casa", é ótimo, mas eles confiam em postos de meio-de-estrada e viajantes para apontá-los a direção de suas cidades caso se percam. Por isso, os celados, independente de quem estiver cavalgando, usam sobre o peito um escudo da cidade em que trabalham.

Uma pessoa que se afeiçoe a um celado o suficiente ou precise de uma montaria para sempre pode criar um vínculo permanente com ele. Para isso, o celado deve ser levado a um templo em dias específicos, e os dois juntos devem fazer, lado a lado (sem que o 'dono' o monte), uma pequena viagem ao longo da constelação nata do animal. Por fim, o celado é batizado com um nome dado pelo seu novo 'dono' numa pequena cerimônia folclórica. A partir daí, o celado o servirá sem relutar e lutará por ele se necessário; atravessará dificuldades e passará fome e frio sem abandoná-lo. Sabe-se que os celados têm profundo maravilhamento pelas coisas divinas. Os ritos dão trabalho, mas o celado se torna um companheiro para a vida toda.

Existe no sul de Cédara um ancestral vivo dos celados, o chamado celado cardeal ou Destrier cerulea, um quase-anfíbio de coloração mais escura e de cauda muito mais poderosa, adaptada para atingir grandes velocidades em lagos e pântanos, sua habitação natural. É possível que tenham vindo junto com os celados regulares. Às vezes, cedarianos aventureiros - principalmente cranequins em fase de testes - se põem a tentar domar esses animais, que são muito territoriais e agressivos. À medida que envelhecem, sua pele escurece e adquire um teor viscoso. Diz-se também que eles podem soprar saliva quente que, ao contato da pele desprotegida, provoca febre e um ardor terrível.

Híbridos de celados trachea e celados cardeais são chamados "bardotos", e crescem descontroladamente até seu rabo ser amputado, podendo atingir até três metros de comprimento com saúde. São rabugentos, mas utilíssimos como bestas de carga, e vivem quase sessenta anos apesar de serem completamente estéreis. Distinguem-se dos outros celados por vários fatores além do tamanho e da cauda amputada: têm a pele esbranquiçada e com manchas verdes, e a cabeça ornada por uma espécie de crista circular.

Existe ainda o chamado celado voador, o Destrier micrathene, que tem agilidade surpreendente nas encostas rochosas que habitam em Faris. Eles são menores e carnívoros, de coloração terrosa e ruins para montar. São, também, muito estúpidos, e andam em bandos liderados por alfas ainda mais ágeis. Sua cauda é apontada para baixo e tem a metade do comprimento da cauda dos outros. Eu imagino que eu não precise dizer isso, mas eles não voam de verdade, é só como os montanheses o chamam pelo fato de saltarem com agilidade entre fendas e pedras.

Artigo: Pushani

O pushani do sul, Minerva otus, é uma ave de corpo emplumado, cabeça redonda, orelhas longas e eriçadas, bico curto e curvado pra baixo, e grandes olhos de inteligência sublime. São reverenciados como representantes de Muut para o povo cahuilla e sua existência é rara fora das ilhas-colônia de Agustine e Ramona. Assemelham-se a 'corujas' descritas por viajantes, e têm cor e tamanho variável dependendo da sub-espécie.

Pushani continentais às vezes são vistas no sul de Cédara, sendo pertencentes a uma sub-espécie chamada Minerva sanfordi, mais clara e menor. De vôo lento e belas penas, elas foram caçadas até a quase extinção no decorrer dos últimos séculos pelos cedarianos e por odenianos esportistas atrás de presas raras.

Outra espécie de pushani quase perdida é a Minerva nesasio ivoreana, chamada de 'ave-de-Cédara gargalhante' pelos nativos. A nesasio voa muito mais alto do que as outras, tem asas mais poderosas e é mais forte; faz seus ninhos cavando buracos em árvores. Por fim, seu canto poderoso lembra uma gargalhada estranha, daí seu nome.

Elemento: Delta

O elemento Delta tem duas propriedades fantásticas: uma, ele ignora boa parte da gravidade natural dos mundos, sempre caindo com muita lentidão. Duas, ele absorve outros elementos e tem uma natureza extremamente neutra. Estas duas propriedades, combinadas ao fato de ele só ser achado em uma forma de poeira finíssima entre o sólido e o gasoso, permitem aos alquimistas fazerem misturas de elementos e compostos no ar, simplesmente libertando Delta à frente e atirando os elementos ou compostos a serem somados na poeira.

Em natureza e por si só, o Delta assemelha-se à Arquirrocha odeniana (em Odenheim, ele é chamado Lança Alada). A propriedade de levitação e absorção do Delta já foi usada várias vezes em compostos com a intenção de desviá-la para outros objetos, com graus limitados de sucesso. É comum acordo entre os alquimistas que não seria possível usar Delta pra manter uma construção no ar. O máximo que já foi conseguido foi uma espécie de concoção de Queda Lenta que faria o usuário descer lentamente no ar quando a ingerisse, e ainda assim arriscando-se a passar por sérios problemas biológicos.

Sua cor varia entre um azul muito claro e um cinza pungente, sendo que o Delta mais azul é sempre o que cai mais devagar. Na natureza, ele é encontrado como componente de nuvens carregadas de eletricidade pouco antes dos relâmpagos se formarem. Como é um procedimento arriscado consegui-lo e ele não é aproveitável depois de misturado ou ingerido, o Delta muitas vezes atinge preços exorbitantes no mercado. Outras vezes, sua disponibilidade é alta quando existem sucessos em grandes expedições às alturas de Eiselc e outras grandes montanhas para capturá-lo.

Elemento: Mjolnir

O Mjolnir é um dos elementos mais famosos entre os aventureiros, que o carregam em estado líquido, dentro de orbes. Seu principal poder é explodir com força quando em contato com o ar acima de zero graus; quanto mais concentrado estiver o Mjolnir, mais fria é sua cor e mais poderoso é seu estouro. Em estado natural, o Mjolnir brilha numa cor verde nuclear; progressivamente, ele fica amarelo, depois laranja, depois vermelho, azul, e finalmente púrpura (a famosa Orbe Hexadetonadora ou "6D" é feita com este composto), onde alcança limites de estabilidade. Quando é concentrado além deste ponto, ele vai esbranquiçando, mas este é um procedimento perigoso.

Este elemento perigoso é retirado de dentro de pedras milenares em escavações cada vez mais profundas, e utilizam-se reatores para colocar os complexos de cavernas muito abaixo de zero graus. A força de uma picaretada ou uma fagulha pode ser o fim de um grupo de exploradores se a margem de segurança da temperatura não estiver bem calculada.

As rochas que contém Mjolnir são vendidas ao alquimista pela quantidade estimada de Mjolnir que haja lá dentro. São chamadas "conchas". O Mjolnir muitas vezes deve ser purificado a vácuo antes de usado, a não ser quando são compradas Conchas de grande qualidade.

Artigo: Os Lunomantes, ou Druidas

Há milênios, nascem em Natal pessoas em ressonância com a natureza e a realidade tecida por Maeve. Elas são o antônimo dos feiticeiros em personagem e em fé, que é profunda. Muitas delas vivem seus anos como gente comum, perseguindo suas próprias motivações, mas umas poucas descobrem que, se reverterem componentes da realidade a um estado que se assemelhe ao da criação original, podem evocar grandes poderes presos na natureza. Os longinanos chamam-os Lunomantes, e os farisienses os chamam Druidas.

Esta arte é um misto de inspiração, presságio e acidentes, realizada por todos que descobrem sua característica especial. O ato é chamado Desprendimento: idéias originais, o praticante altera o cenário (por exemplo, movendo uma rocha) e tenta o fazer se assemelhar à um Estado Original. O Desprendimento torna o lugar uma espécie de santuário, que é terra santa e impede qualquer feiticeiro de libertar seus poderes. Ao mesmo tempo, o santuário cria um influxo de energia sagrada que começa a restaurar a Redoma acima dele tão logo é criado. Por fim, o Desprendimento canaliza para o seu praticante uma reserva de poder pessoal semelhante à geomancia chamada Druidismo, que esconde grandes poderes de natureza divina.

Com a experiência, os Lunomantes descobrem que o estado original pode ser invocado enquanto for apenas visto, e aprendem a domar seus olhos e imaginação. Descobrem que espelhos, desenhos, ilusões e o clima influem no quanto o santuário pode se tornar poderoso, e passam a carregar todo tipo de aparato luminoso e espelhado. Tornam-se proficientes com luzes, fogos e efeitos especiais.

Os Lunomantes ou Druidas sempre existiram em número muito pequeno e sua fé indomável muitas vezes contrariam os altíssimos, tornando-os quase hereges. Quase todos acreditam seguir os desígnios da própria Deusa por mais ausente que ela possa parecer, 0 que o clero ortodoxo maevita considera uma pretensão e um sinal claro de desrespeito às palavras de St. Sharini. Houveram ao longo da história rebeliões de Druidas no coração de Faris que tiveram de ser enfrentadas pelos sacerdotes de Buriash eles mesmos, na tentativa de fundar um nova religião que prega um retorno à criação e uma extinção voluntária da raça huma, mas a maioria dos druidas não é radical.


Leitura: A Tragédia de Belruna

"Aconteceu conosco ao que víamos a ameaça se aproximar. Nossos irmãos mais velhos se foram, junto aos Dragões da República. Eles não podiam saber daquilo tudo e ficar ali esperando. Estavam prontos para deixar de ouvir-nos e seguir seus caminhos em direção à Face de Iblis.

As palavras de nossos pais não mais tocavam suas almas. Em um mundo em que tudo que aprendíamos ia ruindo sob a marcha ivoreana, tudo que era ensinado perdia o valor. E nós não os reconhecíamos - iam nossos irmãos com outros olhos, os olhos que não relutavam ou choravam. É pouco dizer que não voltaram. Eles desapareceram da história e de nossas vidas sem piedade, sem pensar que nos fariam tanta falta, como nos dias de hoje.

Antes de chegarem os ivoreanos, vieram pessoas do nosso povo mesmo pedindo abrigo, muitas delas. Oestrinos, montanheses, gente das fronteiras, não sabendo se queriam ficar ou continuar fugindo até os confins do mundo. Todos tinham as almas exaustas. Queriam parar, talvez para olhar Faris por uma última vez como era para ser. E nós continuamos ali, ajudando essas pessoas, muitas vezes as reabastecendo para que continuassem, Maeve sabe até aonde.

É até engraçado pensar assim. Essas histórias terríveis de guerras, nos contavam desde pequenos. Parecia uma coisa distante e inatingível no mundo como era, quem iria dizer que de repente um país ia começar a engolir o outro? Belruna, o lugar onde nascemos e morreríamos, ficava a norte do Poço das Botas, o velho Poço das Botas, perto dos rios que descem das montanhas que dividem Faris ao meio.

Belruna parecia eterna para nós. Aquelas árvores escuras sussurravam o frio à noite, quase uma bênção no meio de Faris onde tudo quase que sofre debaixo de Nila lá no alto. E se Ivoire é tão quente como dizem, talvez eles tivessem um motivo pra vir em cima da gente.

Engano meu.

NADA é motivo para o que aconteceu conosco.

Todo mundo lembra, mas ninguém gosta sequer de comentar. As crianças viram primeiro aquilo acontecendo. Era uma espécie de nuvem, mas não era branca nem estava no céu. Era uma nuvem da cor da terra tapando o horizonte, a vista das montanhas. Antes de ela chegar uma tempestade rasgou o céu destruindo nossos corações. Os raios cantaram para a areia chegar arrebentando as árvores e tudo que havíamos construído. Os ventos levaram embora as pedras e fizeram delas bordunas sobre nós.

Não podíamos gritar. A terra estava se revirando. O mundo estava saindo de baixo de nossos pés e ganhando os céus na maior tempestade de areia que os piores desertos do sul já teriam visto, em arrancos de vento vindos em nossa direção. E a floresta gritaria por nós, todas aquelas árvores arrancadas do chão e empapadas de areia, toda nossa sombra, todo nosso frio se esvaiu pelos ares naquele monstro terroso.

Não havia o que abandonar, não havia como contar os mortos. Os que não foram jogados longe se reuniram perto do que sobrou do poço e foram embora. Eu estava entre eles. Eu vi os olhos das mães e irmãos pousados no horizonte procurando uma silhueta. Eu vi elas olhando para trás, a alma aterrorizada mas o coração querendo morrer junto com aqueles que se perderam nos ventos.

Nunca esqueceríamos. Nunca seríamos os mesmos. Mas somos farisi. Nossa alma suporta e canta por fim. A caravana partiu com talvez trinta pessoas, para o leste sem-fim. Procuraríamos ajuda e algo que nos levasse a sorrir, ainda que sempre olhássemos na direção que achamos que deita-se nossa cidade perdida sob as areias.

Pouco se passou antes que percebêssemos que fomos muitos dentre os que perderam tudo para os ivoreanos, ainda que poucos tenham sucumbido sob areias como nós. Cruzamos com outras pessoas, com outras idéias, muitas queriam ganhar o oeste de volta, lutar. Nós queríamos viver, viver para poder esquecer aquela desgraça. Restavam-nos poucos de nós e éramos todos estranhos depois de tudo que aconteceu. Toda noite rezávamos pelo fim daquilo tudo e para reencontrar nossos entes. E Maeve cobriu os ouvidos - até hoje."

Artigo: Ravanas

A ravana longiniana, Ravian sidera, é uma grande ave aparentada com os garudas, mas de tamanho menor e cor que vai de vermelho claro a um escarlate encarnado e brilhante. As ravanas também dão origem a plumas completamente brancas, mas as arrancam tão logo nascem. São aves orgulhosas que se alimentam de cerejas e maçãs (que supostamente teriam dado a elas sua coloração). Contam os longinianos que o sangue da ravana, derramado por sua própria vontade, pode salvar um homem ou fazer a forja de uma espada ficar indestrutível.

Sua visão é comum em épocas de guerra. Os guerreiros longinianos chamam os ravanas de 'grandes condenadores' porque eles sempre são vistos em lugares onde gente morre. Nunca se aproximam, mas é certa a presença deles nos céus. Os com fé mais otimista tomam-os por guardiões dos campos de batalha. Outros pensam neles como arautos do sofrimento.

Os ravanas por si parecem não se importar com nenhuma das designações. Não gostam de serem chamados em titani e se misturam pouco, mesmo com damdarans. Dificilmente se arranca palavras deles; arranjos florais de algum tamanho feitos no solo os atraem, principalmente se contiverem cerejas e maçãs, e eles podem vir a estacionarem-se num lugar onde hajam oferendas freqüentes. Contudo, não oferecerão nada mais do que sua presença.

Muitos longinianos nascidos no pós-guerra os consideram arautos de Maeve e sinal de boa sorte. Diz-se que a Imperatriz Neman tem um amor incontestável pelos ravanas.

Artigo: A Cidade Tumular

Dentro da religião ortodoxa maevita existem muitos ritos fúnebres canonizados e reconhecidos pelos hierofantes. De fato, a maioria dos Altíssimos tem pelo menos um rito especial de dedicação, reservado aos seus seguidores mais fiéis. Alguns, como os ritos de Buriash, Idun e Lodis, são de grandes glórias e esplendores, mas os rituais mais praticados são os ecumênicos que suplicam "à Maeve e a todos os Maiores" que guie a alma do morto a lugares melhores.

Um dos rituais mais praticados por aristocratas em grandes cidades é a Procissão, quando objetos queridos do falecido são levados por seus familiares ou amigos até seu túmulo. A maioria destes túmulos são pequenas capelas dedicadas à alguns Altíssimos que tenham ajudado o falecido em vida, e com inscrições relativas à pessoa. Na capela ficam depositadas estas lembranças - pessoas muito virtuosas ou de vontade transcedental podem fazer com que estas ganhem propriedades geomânticas ou divinas, que podem ser recolhidas mais tarde por descendentes.

Quase trezentos anos desta tradição criaram uma espécie de cidade dos mortos a sul de Lodis. Ela tem vários nomes entre a aristocracia e outros muitos entre os tealeanos, que têm todo tipo de história estranha sobre o lugar. Chamam "Cidade Tumular", "Vila dos Pálidos" e "Baixo Distrito" o gigantesco cemitério com alas que separam umas famílias das outras. Lá não circulam guardas, somente adeptos e jardineiros. As relíquias ficam à plena vista e a maioria dos túmulos é aberta (com os caixões enterrados, obviamente). Houveram poucos casos de hereges e feiticeiros que assaltaram as capelas atrás de objetos divinos; hoje em dia, a circulação diurna e noturna lá é grande a ponto de impedir estes atos.

A única regra quando se entra na Cidade Tumular é manter-se em silêncio. Não existem grandes preocupações com decoro lá: muitas vezes, namorados vêm a este lugar calmo para passear, e artistas, em busca de inspiração. Nenhum dos atos é visto com maus olhos: muitas pessoas que passam por lá homenageiam seus queridos e, como se diz, 'fazem companhia às almas', mesmo que sem querer. Também se recomenda um mínimo de elegância no trajar.

A Cidade Tumular localiza-se do lado de fora das muralhas de Lodis, a mais ou menos uns vinte minutos de caminhada ou bem menos num celado bem-disposto. Todos os celados lodianos já se acostumaram à idéia de trotar silenciosamente perto do grande cemitério, mas se você trouxer um celado de fora, é bom alugar um na cidade. Eles são gentis por lá.

Artigo: O Sacrário Imerso de Wolfram

O sacrário do altíssimo da nevasca Wolfram é diferente do esperado. Construído abaixo do nível do mar (assim como o Palácio Oceânico e outras obras da primeira civilização), ele é composto de inúmeros níveis até seu último solo onde supostamente estaria guardada uma relíquia sagrada. Diferente de muitos outros sacrários, o de Wolfram não tem satélites ativos ou outras formas de defesa senão os cavaleiros capelitas ocasionais que estiverem passando por lá. No entanto, as águas que o permeiam muitas vezes inundam a desabitada construção por dias, a enchendo de criaturas marinhas e cálciferes ocasionais inchados com a força das torrentes de fora. Somente os cardeais do protetorado permitem-se descer ao sacrário, ainda assim somente quando a maré está baixa. Falhas nos sistemas de drenos do sacrário causam inundações repentinas e muito perigosas, necessitando de ação rápida nos canais abaixo do sacrário para que a construção não venha a colapsar.

Uma vez sede diplomática de Odenheim, Wolfram recebeu presentes de vários outros países, sendo a maioria de Ivoire e Longinus em tempos de paz. Durante a infestação de feiticeiros de tempos passados, todas as relíquias foram guardadas (ou melhor dizendo, isoladas) neste sacrário em salas guardadas por imagens dos muitos já falecidos satélites de Wolfram.

Artigo: A Civilização Cahuilla

Entre uma etnia huma e uma conjuração, os cahuilla vivem nas friorentas ilhas de Agustine e Ramona, do oceano Infra. De pele avermelhada, feições sinceras e cabelos muito longos de cor negra ou cinzenta, são tementes a Maeve na forma de uma cahuilla terna de cabelos negros e manto que formam todos os mundos e se desfazem em efêmera. Existem em número de poucas centenas e são resguardados como uma espécie de pequena nação independente apesar de estarem em território oficialmente cedariano.

Sua organização social é tribal, mas têm fortes ascendentes culturais e uma mitologia riquíssima que inclui quase tudo de Natal. Existem sacerdotes entre eles, seguidores dos altíssimos que olham por suas ilhas: Sungrey e Muut. São atiradores incríveis e dominam plenamente o uso da pólvora; mandam barcos com os produtos raros de sua terra em troca de armas de fogo cedarianas, que usam para defender suas ilhas de piratas farisienses e de conjurações agressivas.
Os cahuilla, como um povo, têm grande afinidade com uma espécie de conjuração nativa de Agustine chamada 'pushani', pássaros que variam de cor branca até castanha, passando por um cinzenta malhado. Os pushani são, segundo os cahuilla, representantes de Muut no mundo físico; têm olhos grandes e sábios, cabeça redonda, corpo grande e achatado, e bicos curtos, afiados e virados para baixo. Os pushani são para os cahuilla o que os felpi são para os odenianos; segundo eles, os pushani os guiam depois de mortos para o encontro derradeiro com Maeve.

Tratando de personalidade, para alguém que venha do continente, o cahuilla sempre parecerá distante, sonhador. Os cahuilla sempre procuram respostas filosóficas para as coisas e tendem a pensar devagar. Uns poucos vão com os navios que levam as coisas de sua terra para Cédara e não voltam mais, abandonando o seio de suas famílias para viver do lado de fora uma existência real. Tendem ao altruísmo e à honra, que são as virtudes ensinadas por seu deus da morte Muut. Muitos vieram em auxílio dos farisienses que caíram assim que souberam que haviam tantos necessitados em terras do norte.

Assim como boa parte dos farisienses, os cahuilla não se impressionam com tecnologia e sempre acham maneiras de fazer as mesmas coisas de maneira mais natural. Não são amantes da natureza como um povo, mas nutrem profundo respeito por tudo que é vivo. Sua mitologia volta em tempos imemoriais e se confunde em vários aspectos: nem eles sabem dizer há quanto tempo vivem naquele lugar. Não dominam ciências náuticas mas sempre estão curiosos para aprendê-las; muito poucos sabem nadar, escalar ou lutar com proficiência. O domínio deles se restringe a tiros perfeitos com armas de fogo e, se elas não estiverem disponíveis, a arremessos de objetos, lanças, pedras, o que estiver a mão.

A filosofia dos cahuilla está centrada no fim da existência terrena. Eles acreditam que precisam de discernimento e iluminação para que possam encontrar os caminhos certos em outros mundos, e passam a vida adestrando seus espíritos. Muitos deles acabam por dominar plenamente ciências naturais e meditação; são completamente alheios à geomancias e feitiços. Muitos não vêem diferença entre um e outro.

Os cahuilla falam quase sempre empregando metáforas difíceis e arcanas. Adoram aprender novas palavras e seus significados, principalmente palavras em titani. Tendem a pensar em qualquer conjuração como caça afora seus adorados pushani, e acham que os felpi parecem monstros. São fascinados por pesadelos e seus significados ocultos, e vivem encontrando presságios em acontecimentos suspeitos do dia-a-dia. Conviver com um cahuilla é mergulhar em uma existência mística sem volta.

O povo cahuilla tem uma amizade inocente e forte pelos cedarianos, e tende a pensar neles como verdadeiros suportes neste mundo. Eles já desistiram de educá-los nas verdades segundo Muut e na verdadeira natureza de Maeve, apesar de sempre haverem tentativas. Existe, sobretudo, um respeito mútuo forte entre os dois povos. Se Cédara viesse a entrar em guerra contra forasteiros desconhecidos, os cahuilla os apoiariam incondicionalmente e seriam os melhores dentre os atiradores em suas fileiras.

As funções sociais dos cahuilla são poucas e bem-definidas. Vivem numa sociedade onde o mérito é recompensado com hierarquia, e não há nenhuma virtude em ser descendente de um herói a não ser que o descendente tenha alguma fração de seu poder e sabedoria. Os sacerdotes formam a casta comandante numa espécie de teocracia que migra de lugar em lugar usando os recursos da áreas que passam. Os que seguem Muut são conselheiros espirituais, parteiros e pais para todos, em oposição a estruturas fixas de família. Os que seguem Sungrey estudam as artes das curas e a natureza. Seguindo os sacerdotes, vêm os atiradores, detentores de armas cedarianas e mortíferos para as conjurações que cruzem seu caminho. As mulheres são mais respeitadas do que os homens por viverem mais, e suas vidas são guardadas com zelo, apesar de com freqüência a maior parte das atiradoras serem mulheres. Os outros erguem barracas, escavam armadilhas e trabalham com as plantas que houverem no local. Organizam-se em estruturas de vinte a trinta pessoas, nunca passando muito disso. A civilização vem caindo em número a medida que cada vez mais cahuilla abandonam suas terras para aventurar-se do lado de fora e acabam não deixando descendentes.

Existe uma espécie de ritual de união entre os cahuilla que é quase um casamento entre um homem e uma mulher. Dentre seus costumes, o linweha é permitir que as luas encontrem o casal desnudo em locais sagrados da tradição, e a união é permanente. Antecedem este ritual anos de provação: o homem deve saber que a mulher o ama verdadeiramente e vice-versa, muitas vezes por meio da imposição de testes cruéis. Eles são psicologicamente incapazes de atrair-se pelo sexo oposto sem esta preparação toda, por isso sendo complicada ou impossível a reprodução com outras raças.

Outro ritual da tradição é o takic onde uma vestimenta (na maioria das vezes mantos de frio confeccionados de couro) é sacramentada em seu dono e se torna parte espiritual dele. Vestimentas simples e sem enfeites (normalmente tiras coloridas, penas) indicam um cahuilla humilde, ou sem orgulho. Vestes negras tingidas com extratos de árvores setentrionais são as de cahuillas criminosos e exilados do convívio com os outros. Só por meio de uma virtude filosófica muito grande a memória de um exilado pode ser limpa, e normalmente isso só acontece após sua morte ou se ele for inocentado do que fez de alguma maneira. Na maioria das vezes, uma suspeita é suficiente para um cahuilla acusar. Eles não têm rodeios quando assuntos de honra estão em jogo.

Como muitas outras coisas, os cedarianos ocultaram por séculos a existência dos cahuilla, mas eles (apesar de tentarem) não podem evitar que eles ganhem o continente e se mostrem ao mundo. Nenhum mentirá sobre o lugar de onde veio de bom-grado, pois têm orgulho de serem o que são no mundo.

Artigo: Os Montanheses de Faris

... farisienses do oeste, os montanheses, sempre foram muito mais ligados à religião e à tradição do que seus conterrâneos do litoral alvo. Viviam das cordilheiras em inocência, vilas pequenas, muitas sem estrelas, muitos deles só viam outros lugares quando nasciam ou quando escoltavam suas esposas para que dessem à luz. Talvez por esses e outros fatos, os farisienses da costa leste teimassem tanto em chamá-los 'caipiras' e outros apelidos pejorativos.

A maioria dos montanheses tem a fala vagarosa e suave, carregada com um sotaque característico da região. Eles têm uma inteligência simples e são donos de um bom-senso continental, apesar de alguns serem simples o bastante para não terem aprendido a ler. Impressionam-se muito menos do que o esperado com coisas tecnológicas, mas acabam aprendendo a operá-las bem. São fortes, inocentes, arredios e bondosos, talvez como Maeve quisesse que fossem todos os humas, e como se o plano só tivesse dado certo com eles.

Entre os montanheses há os que acham que são ótimos, e os que são muito humildes. Há quem pense que os longinianos são estranhos, e que os cedarianos só querem o bem para si próprios – e talvez não estejam errados. Existem montanheses responsáveis, existem os que sonham em viajar, existem os que tiveram seus sonhos destruídos por uma guerra que eles não iniciaram. O que une todos eles no final das contas é um respeito muito grande pela terra e por tudo que foi lhes concedido como um presente, e, talvez, uma raiva incontida dos ivoreanos e talvez até dos outros farisienses, que fizeram ou deixaram tudo de ruim acontecer com as boas terras em que viviam.

Hoje em dia eles estão na pior das piores. Separados de suas famílias, suas casas perdidas, sem amigos e sem horizontes, eles vagam junto a caravanas ou solitariamente por Faris em busca de almas que lhes façam companhia. Os que defenderam os seus dos feiticeiros do clã Grendel ou os fafnires que ora reclamavam as terras ainda têm seus machados de lâminas únicas e retas por companhia para derrubar qualquer um que se meta entre eles e qualquer espécie de felicidade. Os que porventura tiveram sangue longiniano entre seus ancestrais podem ter aquele olhar noturno e místico que só eles dominam, e talvez algum talento a mais para se mover com graça e falar com a cabeça erguida. E os que pela guerra vieram a nascer sem a luz sabem que terão pouco tempo para achar algo que valha a pena nesta vida.

Fisicamente, eles estão distantes da pele mais alva da costa leste. Queimados de sol e com os olhos mais claros, são vigorosos e aprenderam a suportar muitas coisas frente às quais seus primos costeiros desistiriam. Metidos no meio das caravanas de hoje em dia, muitas vezes as pessoas precisam vir a eles perguntar sobre coisas simples da natureza que eles sabem melhor do que quase todo mundo. É difícil um montanhês não saber o caminho a tomar ou se vai chover ou fazer sol no dia seguinte. As nuvens são palavras muito bem escritas para eles, e os pastores de nuvens de Buriash são alvo de admiração e respeito instantâneo.

Nascidos antes ou depois de tudo acontecer, todos têm saudade do tempo em que tinham certeza que tudo estaria no mesmo lugar no dia seguinte e as plantas estariam maiores um pouco, quase boas para colher. Os dias que eles podiam buscar água nas nascentes das montanhas e beber com abundância, sem pensar que logo depois pode faltar para outra pessoa. Mais do que todos, eles lutarão para colocar Faris de pé.

Artigo: A Marcha da Ordem Pristina sobre Lodis

Eu não acredito que perdi isso. Então, Ivaness chega a Lodis e toma conhecimento de que a Ordem Pristina e aqueles vagabundos transgressores marcharam com avantesmas, fúria e glória sobre as ruas de Lodis. Mais incrível que isso, não houve retaliação armada, mas apoio e quebra-quebra, e chegaram às portas do Palácio Oceânico todos que entraram pelos portões que foram abertos por dentro. Nem um aríete. E os estandartes azuis da ordem desfraldados nas muralhas.

Lorde Gunther Quirian, Senhor dos Mares é parte do conselho agora. Não vão inventar uma cor de elmo para ele. A Quimera já não é mais - a Quimera já era.

Artigo: Instrumentos Percutidos da Antiga Rublo

Perdoem-me a inexatidão do título. Tudo que será tratado aqui diz respeito às tradições da antiga ilha-sul de Odenheim que, hoje, força do destino, chama-se Rublo.

Quando eu era mais jovem, uns 30 anos que os valham, eu estive com meu pai - meu pai viajava um bocado - de vila em vila no interior de Rublo. Eu me lembro de muita coisa dessas viajens. Meu pai era um terror no meio das meninas, parecia um garoto, não um setentão velho de guerra da coroa. Nós pudemos ver uma coisa rara e fantástica durante essas andanças. Essas palavras eu escrevi na época, poucos dias depois do acontecido.

Eu tenho um hábito de jogar fora todos os meus textos que encontro daquela época. Eu era diferente, quase arrogante, me considerava um ser especial e achava que todos deveriam ficar atônitos com minha grande sabedoria e minhas sacadas sobre a vida.

Esse texto eu não joguei fora, não. Eu estava maravilhado quando escrevi (o efeito durou sobre mim uns bons dias depois do que eu vi - eu tinha enchido a cara, também). Eu estava me sentindo tão bem e tão humilde, tão pequeno frente à maravilha que os homens inspirados poderiam fazer, tão diferente de mim mesmo. Peguei do papel e fiz pra mim mesmo o favor de registrar aquelas palavras que estavam brotando de mim.

"Esse ano foi difícil pra eles, foi um ano em que não estava vindo ajuda de lugar nenhum, nem os felpi e nem os cavaleiros do norte. E a neve estava impiedosa sobre a terra, a deixando esturricada, ruim para plantar. Mas ninguém chegou a passar fome. Aquele sol glorioso fez tudo encharcado, mas estavam dançando encharcados com aquela neve que havia sido banida, esconjurada.

Naquela noite houve tanto vinho, o vinho de dez casamentos, e houveram grandes tambores de água ribombando para fazer-nos tremer por dentro. Houve uma música divina, uma música de salvamento, uma música que viera para nos fazer perceber o quanto Maeve nos amava.

Aqueles tambores de água recém-degelada devem ter sido usados só daquela vez e nunca mais, e sorte de quem viu a dança sob o sol quase no fim da tarde, anunciando que todos estariam salvos. Eu e meu pai poderíamos pegar nossos trenós e partir dali o mais rápido possível, mas aquele povo em espera estava apertando nossos corações. A glória de Nila é um tambor de água, um tambor espontâneo, desritmado, reverberante, impreciso, e milagroso."

Artigo: A Música Folclórica Firrareana em Rublo

Um único instrumento inspirou quase toda a tradição de um país inteiro. A kitarra firrareana é uma espécie de violão de som metálico e reverberante, com graves possantes e três cordas. Os maiores tocadores têm agilidade incrível na mão esquerda. A kitarra só faz acordes simples, é um instrumento essencialmente gentio, dedicado ao folclore. Algumas peças chantelianas (sobretudo óperas) incluem kitarras, mas no momento que elas tocam a orquestra toda simplifica-se para adeqüar-se à natureza das três cordas.

O repertório folclórico de Rublo é vasto como os interiores do país. São canções sobre pastores, damas sussurrantes, noites de frio e amores impossíveis, o medo da guerra e da desolação, a esperança sempre num novo dia, e avantesmas dos rios e seus mistérios. Quando dois músicos se encontram é costume que troquem músicas. Ninguém respeita conceitos de autoria das músicas, todas são de todos, devem pensar que os músicos apenas alcançam coisas diferentes num único e imenso poço de idéias.

Na verdade, a simplicidade da música da kitarra faz com que todas fiquem muito parecidas. O repertório de idéias poéticas da vida interiorana de Rublo, apesar de lindo, é limitado. A maioria dos músicos repete as idéias que as pessoas querem ouvir: um sonho de simplicidade e fantasia, um sonho de pessoas impressionáveis, pessoas de fé e pessoas que apaixonam-se com inocência. Um ou outro músico persegue uma nova fronteira na poesia, ou conta um caso mais diferente. Muitos músicos ficam conhecidos por suas músicas características. Eles todos formam uma espécie de fraternidade onde uns ajudam os outros, já que não têm muito lugar em um país socialista onde não há tempo para ócio e diversão.

Por isto mesmo, a maioria dos caras que fazem essas músicas procuram agora uma maneira de levar seus passos a outros lugares que os recebam com dinheiro e agradecimentos. Enquanto, talvez, bom para o povo, o socialismo virá a matar quase tudo que um dia foi a face de Rublo para o mundo, inclusive a riquinha e pequena cidade portuária que deu o nome para o país. Seus ladrilhos já estão sendo invadidos pela grama. Pouco depois, as construções racham com as eras. A natureza gosta de morar onde nós deixamos. Será que Iamni esquecerá tanto assim do passado?

Artigo: O Flautim de Wilm

O flautim rublense é uma miniatura de flauta pequena e preta, feita de uma madeira especialíssima que cresce esparsamente no norte do país. Seu som é doce e agudo, mas um agudo cantante que não machuca os ouvidos nem se soprado com força. Como ninguém agüenta ouvir uma flauta monofônica por muito tempo sozinha, os flauteiros (não flautistas: quem toca flauta, aquela tranversa de orquestra chanteliana, é flautista. Quem toca flautim é flauteiro. Eu também acho feio) tocavam com os kitarristas. A proporção de flauteiros para acompanhadores sempre foi desleal. Qualquer criança com uma partitura poderia aprender rapidamente o flautim com sua mecânica simples. Assim, as professoras de Rublo aprendem a tocar a kitarra e acompanham a pequena orquestra de seus alunos, o som assemelhando-se a uma brisa doce vindo com todos aqueles flautins.

A necessidade de instrumentos de tessitura mais grave fez com que os artífices de tempos antigos viessem com um flautim aumentado e mais grosso, semelhante a uma clarineta, chamado briso. Além dos furos, o briso tem uma vareta abafada que regula a altura do som, conferindo uma extensão de graves e médios fantástica. O som do briso é soprado e doce, quase sem agudos. Um briso soprado sem propensões musicais soa como o vento, como a natureza, como um som que se ouve num eco ou qualquer coisa assim. Só ouvindo. Tem alguma coisa mística naquilo.

Compositores eruditos algumas vezes escrevem peças utilizando brisos e flautins, numa espécie de demonstração de simpatia pela tradição simples dos rublenses. Poucos conseguem um som legítimo: até os melhores sempre subvertem a simplicidade dos instrumentos a contextos complicados e harmonias difíceis, que um camponês nunca entenderia.

Eu deveria ser o último a falar mal da erudição, mas basta você soprar um briso para entender que nada do que se estuda vale mais do que o que se sente com o coração.

Sem piadinhas aí comigo.

Artigo: Os Distritos de Gradec

Um dos distritos mais famosos do condado de Gradec entre os aristocratas é o Alcarin, constituído por três ruas paralelas com galerias as interligando onde se faz o comércio de ervas ornamentais, sementes e flores. O bairro é dominado por uma miríade de bancadas com muitas sementes coloridas e flores exuberantes. O chão de ladrilhos é mantido sempre limpo, apesar de, no final do dia, haver alguma sujeira de flores pisoteadas. Buquês enormes podem ser adquiridos a preços bastante razoáveis com os floristas do Alcarin; no final da tarde, o bairro se enche de noivos e namorados atrás de presentes. Outro tipo que se vê com freqüência são os alquimistas atrás de flores raras e de sementes que possam cultivar. Os floristas não gostam de vender sementes para os alquimistas, já que isso significa perda de clientela permanente para eles. Cuidadas da maneira certa, a maioria das sementes vendidas no bairro Alcarin crescem de maneira extraordinária e dão belas flores e frutos. À noite, são comerciados todos os tipos de poções, sempre postas sobre tapetes de flores em belos frascos para impressionar os aventureiros de passagem pela cidade, que geralmente vão embora pela manhã.

Do outro lado da cidade fica uma área residencial feita de prédios estreitos construídos parede a parede uns com os outros. Muitos ficam de frente para herbários particulares dos moradores, de onde muitos tiram o sustento. O padrão de vida de Gradec é alto, possivelmente um dos maiores de Odenheim, perdendo, talvez, para Lodis e Vercel, cidades mais favorecidas politicamente. Gradec perde muito dinheiro com transporte de ervas para os portos - se fosse uma cidade portuária, ou com uma ligação direta com um porto, com certeza seria pelo menos duas vezes mais rica, já que quase setenta por cento da produção de Gradec é destinada à exportação.

Um dos maiores e mais misteriosos investimentos do conde Terrance o Alvo é a compra de grandes tanques de água cristalina quase-congelada das nascentes de Wolfram. Elas vêm pelos portos do leste, numa operação caríssima e pouco entendida pelas pessoas. O conde Terrance construiu uma espécie de represa subterrânea na cidade onde toda a água é mantida. Até agora, a única mudança que houve é que ficou ainda mais frio na cidade e houve uma ligeira queda na produção das flores delicadas; a maior parte do povo, contudo, confia no conde Terrance e imagina que alguma coisa boa virá desta empreitada.

Artigo: Aias

Aias, Odon heliptera, são uma espécie de inseto pequeno comum próximos de lagos e outros corpos parados de água. As aias têm grandes asas translúcidas, olhos multifacetados e corpos de coloração azul metálica. Alimentam-se de outros insetos pequenos, normalmente mantendo a população destes em um nível que não incomoda ninguém. Seu abdômen tem uma substância fosforecente que brilha à noite de uma maneira pálida, normalmente em épocas de acasalamento. São nativas dos lugares mais frios em Odenheim mas migram quando os lagos congelam, geralmente para a costa leste de Faris. À noite, quando voam em bandos sobre o Mar Alvo, causam pânico nos barcos muitas vezes por serem facilmente confundidas com cálciferes à distância.

Estima-se que as ancestrais das aias contemporâneas fossem capazes de concentrar geomancias dos outros, como se fossem receptáculos, e desta energia vem a luz que as aias emitem à noite. Existem damdarans que juram que ainda é possível fazê-lo com as aias de hoje em dia, apesar da dificuldade de manter a pequena criatura por perto.

Segundo os damdarans, as aias vivem de uma maneira hedonista, interessando-se em diversões como navegar entre galhos de árvores e provocar animais brilhando inconstantemente e fazendo-os se perderem de seus donos em perseguição. Elas são completamente incapazes de se comunicar, mas assustam-se quando são chamadas pelo nome em titani ("elas acham que o seu trabalho já foi feito e que nunca mais vão precisar preocupar-se com nada, e por isso fogem quando chamadas pelo mesmo nome que eram chamadas há tanto tempo"). Diz-se em áreas rurais de Rublo que uma aia pode acender um galho de árvore e criar um incêndio se irritada ou capturada. A maioria dos damdarans não gosta das aias e nem do comportamento delas.

Além da variedade azul mais comum, existem várias espécies de aia, como a asa-aberta esmeralda, Odon dryas, a asa-de-jóia ivoreana, Odon calopteryx, a dardo-negro ocidental, Odon hetaerin, e a cauda-anel azul, Odon lecarin. A asa-aberta esmeralda e a asa-de-jóia de Ivoire vivem em regiões Oeste de Natal e são adaptadas ao calor. A dardo-negro ocidental é uma aia munida de um ferrão que vive no norte de Faris, e emite uma misteriosa "luz negra", uma luminosidade púrpura misteriosa que faz coisas brancas brilharem. A cauda-anel azul é uma variedade maior da aia odeniana que vive na parte mais oriental da República.

Artigo: Mikasas

As capitânias da série Mikasa, nativa cedariana e largamente empregadas pelos Cranequin em suas operações, são leves e comportam uma tripulação de, no máximo, oito pessoas. Armadas com turbinas duplas, podem desenvolver velocidades superiores a 40 nós em mares internos e mais de 105 nós no éter. Sua blindagem é toda feita de aço e cromo (a isto chamam Armadura Crupe); elas têm um formato vagamente losangular e empregam três capotas para a transição. Possuem uma metralhadora pesada Matra montada em sua torre principal externa, e são adaptáveis para diversos armamentos, inclusive torpedos de alto alcance. Têm casários confortáveis, com corredores estreitos e beliches. O trabalho interno de madeira é impecável nas Mikasa industrializadas, com móveis adaptados que se encaixam nas paredes quando estão fora de uso. As Mikasa também têm cozinhas internas e uma área de lazer de razoável espaço, tudo em uma capitânia de pouco menos de vinte metros de comprimento total.

As Mikasa revolucionaram toda uma classe de capitânia leve híbrida em seu tempo por possuirem um par de asas largas e triangulares, retráteis, que fazem a função de planadores no éter. Em mares revoltos, as primeiras ondas impulsionam a Mikasa para o alto e lá ela permanece, usando esporadicamente as turbinas para ganhar altura e mantendo-se em segurança. Os planinautas chamam esta manobra de "eteroplanar" ou "fazer o vôo de Uraeus".

Feitas a partir de projetos originais ivoreanos, as série-Mikasa geralmente carregam vários traços de seus donos. Portam muitas vezes aerografias arrogantes e grandes bandeiras (grandes mesmo) em mastros inclinados, portando motivos guerreiros, logotipos de marcas de vinho, escudos de clubes, e brasões de família. A maioria das capitânias de esquadra têm ordem de se afastar à detecção de uma Mikasa, porque o comportamento dos Cranequin é muitas vezes imprevisível e eles não perdem muitas oportunidades de assaltos em alto-éter.

Artigo: A Cranequin

Centenas de burgueses cedarianos todo ano lunar se encalacram em dinheiro com a Cranequin, a maior e mais desorganizada máfia cedariana, composta de, basicamente, investidores e agentes, ou seja, planinautas loucos o bastante. Travessia para outros mundos é quase uma brincadeira para eles. Habilidosos, metódicos e desleais, são especializados em táticas de combate no éter, assaltos invisíveis, exploração ilegal, artilharia, serviços de escolta mercenária fora de mundos e navegação distante, ou seja, chegar a lugares inéditos pra planinautas pertencentes a ordens reais. Os Cranequin têm catálogos de segredos sobre mundos distantes e estes são vendidos às pessoas certas a preços exorbitantes. E, mais freqüentemente, burgueses cedarianos cedem somas incríveis de dinheiro como investimento aos Cranequin, que sabem pagar este tipo de coisa com muito bom grado.

A família Rampost Cranequin já não existe há muito tempo. Foram exterminados ao longo do último século em uma longa vendeta com várias outras famílias. Conhecidos por sua união e devoção incontestável aos interesses da família e por seus atos extravagantes (como membros que assumiram assassinatos publicamente, fizeram assaltos grandiosos à luz do dia e, principalmente, levaram as velhas capitânias do século passado ao seu limite), eles ganharam ao longo de sua existência inimigos terríveis. Todos os Rampost Cranequin sobreviventes hoje têm outros nomes ou vivem longe de Cédara, mantendo uma suposta segurança.

Envoltos em muitos mistérios e rivalidades, os Cranequin não têm medo de se mostrar em público. Eu poderia dizer que a estrutura política de Cédara é podre o suficiente para eles poderem não se preocupar, contanto que não sejam pegos em flagrante. Mesmo assim há uma grande chance de serem ignorados ou liberados. Todos sabem que a Cranequin não perdoa autoridades que acham que podem exercer qualquer poder, ainda mais sobre eles. E todos sabem, principalmente, que a Cranequin recompensa certos tipos de discrição.

Todos os Cranequin carregam uma arma chamada gastrafetes que é uma espécie de besta-pistola de metal rápida usada com uma só mão, que normalmente também compreende um revólver de impacto e utiliza vários tipos de encantamentos. É adaptada para funcionar ainda melhor no éter, produzindo faíscas que transformam-na numa espécie de arma de contato que descarrega choques poderosos. Todos também usam uma manopla (na mão esquerda) concedida pelo patrono ou empregador atual; enquanto usarem-a, estarão moralmente obrigados a manter a lealdade. Entretanto, podem recusar ou retirar seus votos (normalmente junto com o dinheiro do pobre homem) atirando a manopla aos pés do patrono.

Atualmente existe uma quantidade relativamente de farisienses e odenianos carregando estas gastrafetes e apavorando os guardas de portal. A liderança da organização parte de altos escalões políticos de Cédara mas a maioria dos Cranequin responde a outros Cranequin mais antigos, que "adotam" o novato até que ele possa ter o respeito que é necessário para conhecer os "grandes". Aliás, muitos dos "títulos" da organização são adjetivos de grandeza como estes.

Respaldados por autoridades compradas e donos de, talvez, as melhores capitânias de pequeno porte, os Cranequin providenciam histórias quase diariamente para que (principalmente) os aristocratas odenianos se aborreçam. Para piorar as coisas, todos os Cranequin têm uma espécie de status diplomático que impede que eles sejam julgados fora de Cédara, porque "a imagem errada que a digna organização mercante tem em outros países muitas vezes leva as autoridades a cometerem deslizes em seus julgamentos."

Artigo: A Magna Ordem dos Números

A Magna Ordem dos Números, ou “Ordem dos Numerólogos” foi fundada secretamente por Ld. Galen Melville Roch, que a liderou por seus quinze últimos anos de vida. Com uma tardia infusão, sendo um adepto fraco e um astrônomo ignorado, apesar de grande estudioso e respeitadíssimo nos círculos acadêmicos, ele descobriu sozinho o princípio da Equivalência, uma teoria sólida e manipulável com pequenos sortilégios, que poderia alcançar grande efetividade. Lorde Roch propriamente obteve pequenos sucessos em sua experiência pessoal com a Teoria da Equivalência, mas seus discípulos desenvolveram a ordem astronômica muito além do que ele sonharia.

Em 727 D.F., por divergências políticas internas, a Magna Ordem Odeniana foi excluída da Real União e sanções pesadas lhe foram impostas, levando-a rapidamente à bancarrota. Os astrônomos membros da M.O.O.N. a reergueram com seus próprios recursos e este sistema está mantido até hoje: para receber alguns livros e ensinamentos eles pagam taxas, bem como para cada uso individual de seus sortilégios. Os astrônomos da Magna Ordem têm status apenas em Odenheim; em outros lugares, a partir do momento que souberem que pertencem a uma ordem banida, devem assumir Status -1; todos devem jurar lealdade à M.O.O.N. e nunca fraudar o imposto, que é a única coisa que mantém a ordem viva.

Artigo: A Escolta Patriótica de Rublo

Em Rublo, aos adeptos representantes do Ministro Maynard dá-se o nome de "emires", que entre muitas outras funções, devem, em suas caminhadas diárias por todo o solo de Rublo, escolher dentre os aldeões os melhores, mais inteligentes e fortes, para compor a Digna Escolta Patriótica de Rublo, um pequeno exército de vigiadores solitários munidos com rádios de altíssima freqüência, sinalizadores e boas armas trazidas de Cédara. Como Rublo não tem condição de munir muita gente, os emires são seletivos e determinados em encontrar os mais aptos. A vida de um vigiador da E.P.R. é muito mais difícil e até menos recompensadora do que a vida de um aldeão, então a maioria das pessoas mais teme do que deseja ser escolhida.

Com boa parte dos portos abandonada, a costa de Rublo tornou-se um lugar quieto e vazio. O propósito da existência dos vigiadores é solitariamente cruzar estes limites, sempre com os olhos no mar, reportando qualquer movimento para Veruna. Desde a instituição da E.P.R. há quase vinte anos, o único caso de relevância foi quando uma pequena frota de guerra ivoreana estacionou ao sul da Cidade Nova e lá permaneceu por duas luas, aparentemente sem comunicação com a capital. A arrogância e prepotência dos rublenses neste caso quase rendeu um bombardeio pardo, e os ivoreanos aparentemente nunca tomaram conhecimento do motivo daquela armada estacionada ali.

Artigo: O Diamante de Wilm

A Cordilheira de Wilm é o nome que se dá para a região montanhosa que divide o final do estreito com Ayanan, ou, para vocês, jovens, a República de Rublo. Em Wilm repousam quatro torres-fortalezas construídas sob os altíssimos poderosos da Constelação de Hélice, pelos dois Imperadores Remus durante seus longos reinados. Todas elas, bem como suas terras e armas, ficaram para o comunismo: as quatro hoje formam o baluarte que, talvez, tenha desencorajado Meredith a atacar Rublo por terra.

A primeira delas foi Labrys, sob Terminus. Como Labrys veio a se tornar, além de uma fortaleza, uma cidade de trocas e de passagem, encarregada da taxação e do controle de todo tráfego entre Rublo e Oden, e, sobretudo pela vontade dos novos donos da terra, Labrys tornou-se Primeira Fortaleza Terminus, uma grande cidade murada, hoje dominada por peões, adeptos, estudiosos e muita gente, transformando uma cidade da guerra numa espécie de cortiço imenso, onde escudos funcionam como janelas e lanças espetadas no chão viram varais. Um odeniano provavelmente ficaria horrorizado com as armorarias cheias de mato e as muralhas dominadas pela hera, mas arrisco dizer que o povo lá vive bem contente.

A segunda fortaleza foi Vervain, sob Voltumna, o Cúmulo Recorrente. Esta fortaleza e templo das chuvas está atualmente abandonada: construída em um pináculo rochoso, tem pouca utilidade para a agricultura. Quando os salteadores e proscritos criarem coragem para empurrar aquelas grandes portas duplas de aur e arquirrocha (arquirrocha ou "rocha celeste" é uma espécie de pedra azul-escura profunda, quase preta, fácil de trabalhar e bastante sólida, muito usada em grandes portões), como eu dizia, quando os salteadores e proscritos criarem coragem para empurrar aquelas portas, encontrarão tesouros incríveis e cajados chamadores de raios, além de pelo menos uns cinco satélites muito entediados e enfurecidos...

A terceira foi Bethlehem, um grande castelo com três grandes planos para artilharia, sob Avelt, o Brilhor Noturno. Lá se faziam lâmpadas incandescentes, como as longinianas, mas com centelhas loucas que dançavam em tons de laranja e púrpura. Tinham até um grande farol de batalha cuja luz nunca foi acesa. É dito que seu lampejo poderia cegar um homem para sempre. Suas barricadas também eram as maiores. Se Iblis chegasse lá ele ia ver o que chamamos "resistência secular".

A última foi Impatiens, sob Cebalrai, Dominador dos Véus, a "Morada dos Invencíveis", uma fortaleza localmente famosa pelos seus caçadores de avantesma, aparentemente imortais graças às armas encantadas com o Bracelete da Concha Mística que transformava ferimentos em simples cansaço. Era um espetáculo tão certo vê-los lutar que lembro de cortejos os seguindo, com faixas e bandeirolas. Derrubavam avantesmas no mar, avantesmas costeiros, subjugavam satélites rebelados com grandes alabardas e bestas que disparavam munição mística.

Era bom... bons tempos... glória, capitalismo... adeus, Rublo! Pra mim chega.

Artigo: Da Construção de Nova Eiselc

Contou-me um escrivão do Palácio Oceânico que em seus tempos de juventude, Meredith tinha seis cadernos de capa preta e espiral, de folhas largas e grossas, onde desenhava seus sonhos e devaneios. Eles foram selados por ele mesmo em uma arca, pedindo que Else abrisse-lhes passando-se um número de anos após sua morte. Isso aconteceu alguns anos antes que desaparecesse, mas depois da morte de Pluma Isabelle.

Imagino que poucos saibam se e qual evidência a Hierofante teve da morte de Meredith: fato é que há alguns anos a arca foi violada por ela, que tomou os cadernos. E Nova Eiselc talvez fosse a primeira das páginas: um distrito aéreo, suspenso por grades de ferro e acima das nuvens, o lugar mais frio do mundo. O sonho de Meredith virou realidade há alguns meses atrás com a construção do Primeiro Distrito Aéreo e da linha de bonde que pode levar as pessoas para lá.

Tenho certeza que o pragmatismo de Else não a permitiu construir aquela primeira página apenas para realizar um desejo póstumo do imperador caído. Mas a intenção da Quimera por trás daquelas barras de metal é a que eu daria meu mundo para descobrir.

Leitura: O Grande Anfiteatro Real "Vislada"

Sua fundação data de 404 D.F., e sua construção foi feita com o apoio de aristocratas cedarianos como um símbolo da amizade e dos acordos vitalícios de comércio entre os dois países. A Vislada já foi palco de muitas apresentações e eventos históricos, como a declaração de guerra de 701 D.F. e a última apresentação da banda que veio a se tornar o maior fenômeno musical do século entre os jovens, a Pedras Esmagadoras (na ocasião, segundo testemunhas, houve quem tivesse invadido o anfiteatro pelo telhado e tivesse assistido a apresentação pendurado no lustre).

Hoje em dia, a Vislada recupera-se do fechamento e posterior depredação causados pela política de guerra mereditiana, em sua maior parte com investimento de particulares, como o digníssimo sr. Gen. Firdaus Durante, distinto gênio da balística e criador de muitas armas e orbes que levaram Odenheim a uma vitória com menos fatalidades nas guerras de fronteira. Com a freqüência aproximada de quinze dias, atores e atrizes trabalham de graça produzindo espetáculos patrocinados pela casa, somente para angariar fundos para sua restauração. Estima-se que somente o conserto dos três grandes lustres de cristal requeira um trabalho de muitos especialistas, avaliado em, pelo menos, duzentas e cinqüenta mil rúpias.

Infelizmente, enquanto um pequeno movimento da Quimera poderia devolver à Vislada a glória de dias antigos, esta parece ignorar o teatro que moveu tantos corações em tempos passados.

Transcrição do Tomo dos Regentes, III


Trouxe
Do inominado nada - que não era nada
Os olhos que lhe serviriam
E neles fez brilhar uma luz que seguiriam
Como mariposas ao fogo
(portanto já Eram as mariposas)


Artigo: O Santuário de Asperi

Ao sul do grande planalto que circunda Lodis, guardado por névoas permanentes em sua condição de baixio, o pequeno Bosque Gris guarda uma antiga igreja, o Templo Sagrado de Asperi, o já caído Altíssimo do pó e das cinzas. Esta igreja de estilo chanteliano antigo, depois de anos de abandono e chuvas e depois de todas as linhagens de oradores de Asperi terem se esvaído, tornou-se uma figura melancólica, quase desaparecida no bosque. Até este ponto, o Templo Sagrado de Asperi teve o mesmo destino de tantos outros templos de estrelas apagadas, como Calícrates e tantos outros longinianos. Suas torres compridas e negras por lá ficaram por, talvez, um século, e teriam sido esquecidas e dominadas pela vegetação.

As disputas pela coroa odeniana, porém, fizeram com que o lugar tornasse-se uma espécie de refúgio de cavaleiros bandidos, primeiramente Ld. Marin Karkaroff e seus asseclas, e, ao que tudo indica, hoje em dia, a resistência do que sobrou da Ordem Pristina liderada por Ld. Gunther Quirian, Senhor dos Mares.

Já houveram várias ordens para que demolissem a pequena igreja nos intervalos entre essas ocupações - foi erguido, inclusive, um pequeno santuário em honra do Altíssimo Asperi em Lodis, capital. Entretanto, todas as tentativas de encontrar o templo destas vezes falharam, e uma resultou em uma pequena chacina promovida por, segundo testemunhas, cálciferes enlouquecidos. Uma espécie de vontade superior parece proteger o local, permitindo que entre somente quem não tiver intenções que vão de encontro à permanência do pequeno templo. Diz-se que a Quimera cogitou bombardear o lugar, mas a ordem foi retirada de maneira abrupta e suspeita por um alto oficial odeniano. Parece-me que a capital prefere dar aos meliantes um lugar para se esconder, e saber que eles estão ali.

Leitura: A História de Hepzibah, parte 5

A última parte da história de Hepzibah escapou às trovas e parece ser de conhecimento de poucas pessoas apenas, então falo nos poucos detalhes que pude confirmar. O meio-djin repetiu o trajeto de Keshal partindo do norte ocidental de Faris atravessando as terras de contestação e cruzando com muitas caravanas, então aprendendo sobre o que estava acontecendo. Ele não precisava de uma chance, só de um lugar para apertar as espadas contra os pardos, e escolheu Oden para isso. Sabia, também, que era pouco mais que um animal pelo que a maioria das pessoas entendia, um animal perigoso e astuto.

Por isso, Hepzibah decidiu agir exatamente como o animal perigoso e astuto que pensavam que era. E foi um instante até que encontrou um cavaleiro-de-regimento nortista, usando uma bela armadura completa da Armurada e - o que mais importava, um distinto brasão pessoal.

Hepzibah deve ter acabado com ele, ou, no mínimo, o deixado estraçalhado. Mas o meio-djin, sabe-se lá com que palavras, assumiu sua armadura e partiu em um barco que retornava a Oden para a guerra. E nunca mais ouviu falar-se de Aulus, o Irresponsável, que era o nome do pobre-coitado; na verdade nunca mais ouviu falar-se do verdadeiro Aulus o Irresponsável, porque Hepzibah estava construindo uma sólida reputação com seu 'novo estilo' duas-espadas-muitas-mortes.

Qualquer um apostaria que não ia durar muito tempo. Atingido por uma lança, o falso Aulus jorrou fogo do ferimento, entrando em colapso no meio do campo de batalha. Seus companheiros não estavam entendendo o que estava acontecendo - provavelmente acharam que era mais uma invenção da mente maquiavélica ivoreana, lanças abençoadas por Iblis ou carregadas de alquimia, e que o pobre Aulus havia sido vitimado por uma delas.

Qual foi a surpresa deles quando onde deveria haver Aulus houve Hepzibah? Mas o prestígio do pequeno meio-djin entre os soldados era grande e ele acabou ficando nas fileiras dos Elmos Escarlates. "Rachamarfim", como ficou conhecido, o grande derrubador de ivoreanos, grande estoporador de avantesmas, grande, grande. E foi quase engraçado quando começaram a obedecê-lo, e novamente quase engraçado quando começaram a ignorar solenemente o Ld. Fabian Tertius, último comandante de um dos destacamentos lá.

Assim surgiu a ordem dos Rebentos de Rachamarfim.