Leitura: Rois

Por meio de uma troca com um outro viajante neste barco, tive acesso a esse texto. É uma narração, talvez um pouco fantasiosa, do que aconteceu na vila de Rois em 690 D.F., quando Ludgast ainda era um jovem governante e Ivoire tentava mediar os primeiros passos para uma aliança. Sem sucesso, como verão.


"... Rois. A pequena cidade nem estrela tinha, convergia numa velha mina esgotada, e havia sido considerada uma perda menor pelo Conselho, um movimento em falso, especialmente quando o cerco deu ao povo a oportunidade de fugir. Rois permaneceu abandonada por quase um ano lunar, esquecida em meio aos bramidos da guerra, alguns diriam que estava perdida para sempre, que naquele solo nada cresceria mais. Pobre e pequena Rois. O sol entrecoberto sobre suas pequenas casas de madeira tomava-lhe as cores, as flores. Mas a dor parecia inata àquele lugar. Qualquer um que ali chegasse sentiria o peso das lembranças que não puderam ser levadas com o êxodo. Qualquer um que olhasse através de uma janela veria que os espíritos das famílias não deixaram seus lares, que os pequenos templos para os altíssimos ainda estariam de pé, ainda que ninguém rezasse ali há muito.

Rois não tinha virtudes e abrigava-se na ignomínia, fora dos planos dos aliados, mas fora dos planos dos inimigos. Sobre seu solo, o céu é escuro como um manto de luto, e a primeira estrela ficava a milhas de distância. Algumas crianças, não suportando esperarem nos ventres de suas mães, nasciam em solo seco, no meio do caminho de mato alto, crianças da noite profunda, estranhas, reverentes, contemplativas, como que soubessem que o destino havia lhe negado um anjo que lhes protegesse. As crianças de Rois eram belas, belas como numa ironia à angústia de seus pais que temiam uma punição ou que um fantasma tomasse os corações de seus filhos. Eram todas belas, as crianças da noite profunda de Rois.

Longe da luz, motivada por uma velha mina esgotada, e ainda assim as gerações se sucediam e Rois atravessou séculos, sem crescer nem diminuir, sem que houvesse sequer uma razão para sua existência. Quando o moleque avistou os céus escurecendo e as hordas de feiticeiros ecoando detrás dos montes, não precisou de muito para toda a população partir de lá para sempre.

Ludgast desceu do dragão e fitou o horizonte. Inspirou o vento de eras que bailava sobre a cidade e abriu o pequeno portão. Caminhou para o que lhe pareceu um matadouro, jaziam dezenas de fafnires em meio aos escombros, fora um lampejo, uma dor aguda o penetrou a cabeça, Ludgast voltou os olhos ao céu. Os rumores eram verdadeiros, e um bando de assassinos estrangeiros...

“Eminência... Verne deseja vossa amizade. Ele é poderoso e tem a Profecia em suas mãos”, disse o embaixador.

O hierofante caminhou por entre a destruição. “Verne mandou paladinos, ainda que eu houvesse lhe negado a aliança. A morte destes condenados pertencia a mim, e Verne me tomou este direito que me foi legado. Verne invadiu o Império Sagrado.”

Saul parecia transtornado, ele próprio era um ivoreano, destacado para jurar lealdade a Longinus para representar os interesses de seu país. “Eminência. Insisto que entendas. Ivoire é um país forte e os feiticeiros que assolam teu povo podem ser contidos facilmente pelo poder de nosso Palácio, de nossos canhões, de nossos sacerdotes.” O embaixador gesticulava furioso como quem tentasse passar uma mensagem muito simples para uma criança.

Ludgast finalmente dirigiu-se para Saul. “Voltai para tuas terras”. Expressava uma incrível fúria, contida pela barreira inexpugnável de seus olhos azuis. “Teu povo invadiu meu império! Voltai para tuas terras! Está tudo acabado, acabado!”. Seu corpo não se movia, mas chamas ardiam como que acesas por gás incandescente detrás de suas pupilas.

“És insano, ou... só podes ser insano!”, exclamou Saul. Ludgast golpeou-lhe com o diamante do cajado no rosto, atirando-o para trás. Saul agonizou brevemente, e morreu.

“Pagaste. Mas fora útil a teu modo. Servistes para alimentar meu espírito de tua morte”, disse Ludgast ao cadáver. Virou-se para seus comandados. “Persigam e destruam todos os paladinos ivoreanos que encontrarem. Até que não haja mais nenhum, todo homem que atacar um feiticeiro longiniano será castigado.”

Os primeiros pecadores seriam expiados primeiro pelas lâminas dos samurais de Ludgast."

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