Leitura: A Aristocracia de Gartcross

Um amigo meu, já muito idoso, costuma dizer que, justamente quando você pensa que já viu de tudo, aí que as coisas mais fantásticas começam a acontecer. Quem iria supor que, há pouco menos de cinco anos, existia um condado cravado no coração de Faris, ali, bem perto do famoso Poço das Botas? Ali, onde a água é farta e o Barum desce caudaloso, uma brava dama de Odenheim um dia teve um sonho e decidiu ter seu próprio castelo.

Separada de seu amante pela guerra e trazendo pelas mãos um filho ainda criança, Fedra, a Mística era uma mulher dissimulada, soturna e mestra nas artes de enganar e seduzir. Usou todos esses talentos para reunir uma comitiva de jovens dervixes para limpar e preparar sua área.

Contaram-me que ela era a musa e a inspiração dos dervixes, e que os mais seletos e esforçados poderiam ganhar o seu amor. Seu filho, Adrien de Gartcross, tendo aprendido com os mais velhos e experientes, aos dez anos já era um caçador e um espadachim excepcional, muitas vezes dando ordens aos dervixes, que Fedra insistia em que eles cumprissem. O garoto era um líder e um ídolo entre as crianças do condado. Aos quinze anos ele já golpeava como um homem e conseguia derrubar serretes enquanto eles mergulhavam. Sua coragem e força eram invejáveis, assim como seu tato e elegância. Tinha o hábito de desafiar estranhos para duelos, e quase sempre vencia. Sua mãe não poderia ser mais orgulhosa. Adrien imaginava que, para passar o resto da vida no condado, teria que ser o deus do condado. Por muito tempo, ele foi.

Talvez nem Fedra mesma saiba disso, mas seu filho prodígio foi o responsável por enterrar seu sonho. Seus hábitos dândis o levaram a desafiar Harish de Immaculata, um dervixe bandana-vermelha que havia desacatado uma garota do condado. A batalha foi à noite, sob a luz de archotes, e todos assistiram Adrien humilhar nobremente e derrotar o experiente dervixe, com agilidade fantasmagórica, empurrões e uns poucos golpes, todos decisivos.

A derrota e as vaias e chacotas do povo do condado tiraram completamente Harish do sério. Possesso e enlouquecido de fúria, o dervixe incendiou um matagal próximo à uma encosta, que no dia seguinte começou a desmoronar.

Fedra, Adrien, os dervixes e todo o povo viram uma luta de quase uma década ruir sob as pedras que desciam dos montes próximos ao Barum. Assistiram, de longe, à noite, as últimas rochas soterradoras descerem sobre suas casas, sobre suas hortas, sobre o poço.

O povo debandou em caravana, apesar dos apelos de Fedra. Culpavam os dervixes, a quem acusavam de usar feitiçaria e profanar as palavras de Maeve. Os dervixes, propriamente, partiram atrás da cabeça de Harish. Arrasada, Fedra enviou Adrien para encontrar-se com o pai em Odenheim. Não sei qual destino ela teve, largada sozinha em meio aos destroços do seu sonho.

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